sexta-feira, 29 de maio de 2009

O tabu do suicídio

Inicio este blog falando sobre o suicídio, que é um tema que é tabu em todas as sociedades. Ainda que em casos específicos, como o dos estóicos, ou no caso do suicídio pela honra da família, como acontece desde os tempos primórdios da cultura japonesa, é um tema que causa espanto e controvérsias.


Os estóicos respeitavam o ato do suicídio. Era até recomendado para quando se pudesse decidir que a vida não tinha mais o porquê de ser vivida. Os estóicos suportavam as adversidades com calma e dignidade, mas também acreditavam que as circunstâncias da vida de um homem podia se degradar a tal ponto (seja devido a uma tragédia pessoal, à ruína e a subseqüente miséria, seja devido a uma doença dolorosa e terminal), que um suicídio indolor se tornava a coisa mais racional a fazer. Se, para Platão, o suicídio é uma injustiça praticada contra si mesmo, para Sêneca, “a vida não vale a pena ser comprada a qualquer preço. O essencial não é viver, mas viver bem”. O próprio Sêneca cometeria suicídio mais tarde. Aristóteles argumenta que ninguém pode ser agente e paciente de uma injustiça, portanto, a injustiça do suicida é para com a própria sociedade. Para Epicuro, o sábio deve ser alegre mesmo nos sofrimentos cruéis, o que para alguns reflete as próprias limitações que acometiam sua saúde. Um discípulo epicurista, Hegésias, certa vez questionou se “se a felicidade do homem consiste na soma de seus prazeres, e estes forem inferiores à soma de males que a vida lhe oferece, como não justificar o suicídio?”.


Zenão de Atenas é, de certa maneira, controverso na sua abordagem da fatalidade suicida, porém admite que em certos casos, o suicídio é justificável, já que, para ele, o homem deve viver conforme a Natureza (Logos). Portanto, deve deixar a Natureza seguir o seu curso. Mas, em certos casos, quando ato de virtude, pode o sábio escolher a hora que o Logos determinou... (perscrutando os seus desígnios). Sua linguagem há um misto de mitologia, mas exacerba bem a possibilidade das exceções em nome da honra.


Se na Antigüidade, as divergências a respeito do suicídio eram claras, na modernidade há uma tendência de ausentar de sentido o ato suicida. Descartes afirma que é claro que a vida oferece mais bens do que males, já que a vida é o suporte básico de todos os bens, sem a qual nenhum bem existe. Contudo, todos os bens são incertos, exceto a própria vida. Portanto, suicidar-se é fazer mau-uso do livre arbítrio. Spinoza, apesar de diferentes argumentos em relação à René Descartes, conclui no mesmo caminho no que tange ao seu fim, quando verbera que o desejo é a essência mesma do homem, isto é, o esforço pelo qual o homem tende a perseverar no seu ser. O princípio da virtude é o esforço para conservar o próprio ser. O suicídio não é um ato de virtude pois que visa a destruição do que foi a essência mesma do homem, seu poder e sua tendência fundamental. Portanto, para Spinoza, não pode haver virtude no ato de tirar a própria vida, noutras palavras, o ato suicida é um ato de covardia, já que significa a desistência de permanecer vivo. Voltaire comenta sobre os suicidas de forma lacônica – e até mesmo engraçada – quando resume que os suicidas são, simplesmente, “...uns ociosos ou gente que não sabe mais o que fazer”.


Rousseau alega que ninguém é completamente inútil, já que qualquer um dos homens seria útil à humanidade pelo simples fato de existir. Então, nesse caso, o suicida estaria cometendo um roubo contra o gênero humano, já que sempre fica uma boa ação por fazer. E tal ação, obviamente, teria sido feita pelo suicida – e só por ele. Kant leva um quê de complexidade à questão, quando afirma que “o suicídio não pode ser erigido em norma universal (em padrão para a espécie humana), é infração à Lei Universal, porque destrói o próprio sujeito da moralidade; o suicídio é usado como um fim em si mesmo, arbitrariamente, sendo um atentado à liberdade; é a própria negação do querer-viver da Natureza (o oposto da sintropia da vida). Essa visão kantiana do suicídio compartilha com Sartre na questão da falta de respeito ao livre arbítrio (“mau uso” do mesmo denota julgamento de valor). Dostoievski analisa a questão sem omitir uma reflexão, apenas afirma que aquele que se mata se coloca no lugar do próprio Deus.


Descendo os degraus da academia à sociedade comum, com pessoas simples, que simplesmente se horrorizam ao saber que aquela pessoa “tão promissora” cometeu suicídio, voltamos à realidade crua que ronda a vida, que é a morte. Por mais que se omita ou não o assunto do suicídio, o fato é que o homem sempre continuará senhor da sua vida – ao menos da decisão de continuar vivendo.