sexta-feira, 26 de junho de 2009

Mitos

Pouco se percebe que o mito está presente a todo tempo nos nossos dias. Nossas crenças, como um todo, baseiam-se em concepções mitológicas, seja a mitologia predominante da atualidade – a cristã – seja uma crença qualquer em que não se sabe os meios do objetivo atingido. Estamos rodeados de mitos – e muitas vezes é até necessário que seja assim.

Nada poderíamos fazer se não estivéssemos rodeados pelos mitos. O mito exerce uma função que, se não é esclarecedora, anestesia nossas angústias em relação ao que simplesmente não podemos compreender. Precisamos aceitar que se tomarmos o remédio que o médico nos recomendou, ficaremos sarados de uma enfermidade. Não podemos nos questionar se nos foi destinado um veneno, sob o risco de não ingerirmos uma substância que possa curar nossa chaga. Nesse caso, a dúvida pode trazer um malefício irreparável. Contudo, há variância de acordo com o referencial: assim como os mitos religiosos e até mesmo na salvação pela espada, que na história da humanidade já vitimou tantas pessoas em todas as épocas de nossa história, dentre os mitos práticos recentes, talvez o nazismo tenha sido o mais destrutivo com sua fantasia de uma “raça superior”, utilizando-se de propagandas, filmes, discursos inflamados, etc., sendo capaz de mobilizar toda uma nação em volta de um devaneio baseado na força do mito.

O mito também é pedagogicamente importante, por ir onde a razão não alcança e também por não ser cansativo – ao contrário, não raro fascina. O mito baseia-se, como um todo em arquétipos e simbologias que tangem o emocional, lidando amiúde com estruturas “universais”, já que oferece explicação para temas como a morte, a vida e os fenômenos naturais. Contudo, o misto de transgressão, sentido e falta de veracidade fazem com que o mito tenha um alto grau de periculosidade. Os gregos foram riquíssimos em mitologia e hoje temos como conseqüências arquétipos universais, provenientes daquelas mitologias helênicas.

A Bíblia como livro mitológico é extremamente rica, com todas as suas explicações para a origem das coisas, o apocalipse, o homem que é Deus, a transgressão de Adão e Eva, a propagação do ato de comer o que seria o corpo de Cristo (antropofagia) ou beber o seu sangue, etc. Os próprios rituais (repetição) também fazem parte do mito, como por exemplo a crença de que um gesto pode trazer uma graça. A problemática em relação à Bíblia (ou qualquer outro livro religioso) vem a partir do momento em que tomamos a Bíblia pelo lado científico e racional, que é ausente. A confusão desses valores pode trazer prejuízos intelectuais.

A semente da dúvida que foi plantada no nosso inconsciente pelos primeiros filósofos que, ainda cercados de mitologias e explicações inspiradas nos deuses para os fenômenos naturais, hoje tem imensuráveis frutos para o nosso pensamento ocidental. O mito é um conhecimento válido do ponto de vista da construção da epistemologia e da estruturação do pensar. O mito tem os seus pressupostos não esclarecidos, e muito de sua força é perdida na concepção do mito como simples “lenda”.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Filosofia e Felicidade

Raul Seixas falou, certa vez: “É pena eu não ser burro. Assim, não sofria tanto”. Partindo do princípio que o próprio Raul fosse um cara inteligente, para efeito da questão, será que realmente a sabedoria priva o homem da felicidade? Há sentido no que se fala por vezes que uma vida alienada é mais prazerosa de ser vivida?

Muito se diz a respeito. A opinião predominante sobre quando se refere à relação “conhecimento/sabedoria x felicidade” é de que o alienado tem mais hipóteses de viver uma vida tranqüila, em relação àquele buscador da verdade. A partir do momento em que não se conhece o problema, não se vive o mesmo. As pessoas costumam agir tão-somente de acordo com os resultados. É um utilitarismo às avessas, já que pouco se pensa a respeito do preço que se paga para atingi-los.

Todos nós somos alienados, mas em graus e assuntos diferentes. Falo da alienação como a ausência de conhecimento a respeito de algo, e não no sentido marxista. No mais alto grau, somos alienados a respeito de tudo, já que não é possível o conhecimento factual das coisas em si. Mas não é essa a abordagem necessária quando se questiona a alienação no sentido de uma pessoa que não questiona a si ou as coisas e acontecimentos ao redor de si. Essa é uma outra faceta.

Suponhamos uma pessoa que considere que sua vida ganhou sentido quando abençoada por um pastor corrupto de uma igreja hipotética, já que pastores corruptos não existem. Essa pessoa era entupida de dívidas, alcoólatra, sua mulher era prostituta e seu filho usava drogas. Esse homem – vamos chamá-lo Josué – ouviu falar que seu vizinho se regenerou quando “aceitou Jesus”, e decidiu, num momento de desespero, conhecer o Pastor “João”, que supostamente fizera maravilhas pelo seu vizinho. Pois bem, nosso amigo Josué vai com a cabeça completamente aberta para o culto, ele quer mudar de vida. No teatro, o pastor vende-lhe definitivamente a idéia do pecado e do demônio e arrebanha-o entre suas ovelhinhas. Josué passa a destinar uma parte de seus escassos rendimentos à Igreja, e a partir deste momento sua fé destina-o a parar de beber. Ele jura que foi agraciado pela Igreja e jamais conseguiria tal façanha sozinho. E isso não é tudo. Seu filho, que estava metido em drogas começa a freqüentar o culto e sua mulher parou de rodar a bolsa na rua. Concomitantemente, Seu Josué abdica de si e de suas individualidades para entregar sua alma a Deus. Ele não é mais Josué, é uma ovelhinha de Cristo. Está quase comendo capim, de tão devoto. Devido ao seu novo estilo de vida, não toma mais “mé” e tem mais tempo – arruma até um emprego fixo e diz que deve tudo graças ao Pastor João. Nesse nosso exemplo, podemos considerar que o Seu Josué foi bem sucedido, já que a vida era um caos pleno. Ele estava com o pé na cova e sua família não tinha rumo.

Contudo, afastar-se da realidade também tem seu sentido questionado. Para Siddharta – o Buda – “todo remédio é veneno”. E o preço desse remédio é alto. Os efeitos colaterais envolvem uma cultura inteira e ele agora nega a si para servir ao seu amigo imaginário (ainda que a hipótese teísta seja um fato, é pretensioso por parte da religião definir sua natureza). O que pode levar à “exaltação” também pode envenenar. O fenômeno atual a respeito do ceticismo religioso leva a dois extemos – acreditar “em tudo”, referindo-se à crença exagerada e sem um “filtro” de informações comparadas e imparciais, aumento e cultivo do misticismo e crendices em geral; ou um ceticismo que gera a crítica que produz o tal filtro que seleciona o que será aceito pelo entendimento como mais próximo do factual (já que quem vê muita coisa, tende a não crer em nada, assim como diz-se que surgiram os primeiros céticos – os mercadores viajantes, que conheciam diversas culturas). Na prática, temos visto elevar os números de estatísticas tanto em relação aos fundamentalistas quanto aos agnósticos e/ou ateus. No nosso exemplo, Seu Josué jura que o Pastor foi responsável por suas conquistas e pagará por isso o restante de sua vida, além de negar a humanidade que existe em si e até mesmo o que caracteriza sua individualidade. É óbvio que estou usando um exemplo, e por sê-lo, é bem específico; não significa que este seja o único exemplo de alienação no uso corrente da palavra.

Certa vez, li que “mais vale um Sócrates infeliz do que um porco feliz”. Mas, ainda que isso seja verdadeiro, por que diabos o Sócrates precisa ser infeliz? Não é o próprio conhecimento que liberta a alma? O hábito de buscar entender o que se passa ao redor pode nos livrar de situações complicadas. Não me refiro ao entendimento, mas à busca – ela é o que temos de real. Aprender a viver, aprender a morrer, encontrar subsídios que façam sentido para o aqui e agora também dão qualidade de vida. Viver o eterno presente é ser intenso. E vida com qualidade é mais importante do que o tempo pelo tempo. Para Aristóteles, dentre as possibilidades de felicidade, uma delas é através do conhecimento, como Filósofo. A Filosofia parte da necessidade da busca de um sentido, e divagar nesses caminhos também proporciona um gozo intelectual.


O “presente é o agora que passa”, segundo Santo Agostinho, e nesse sentimento de urgência não há desespero. Apenas a noção de que o prazer é importante e necessário. E quando percebermos a morte, entregar-nos-emos com a sensação de dever cumprido. Como no epicurismo, se por um acaso deixarmos de existir, significa que o sofrimento também será ausente. Nossa tarefa nesse mundo poderia pode ser assim definida: sejai feliz! – eis o verdadeiro sucesso.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Da aplicabilidade da Ética

Recentemente, fiz um estudo para apresentação de um Seminário de História da Filosofia Contemporânea. A seguir, vou reproduzir alguns trechos e, em seguida, alguns dados da ONU que reforçam os princípios pelos quais se baseiam a "Ética Prática", no tocante ao respeito pela vida dos animais não-humanos. Ao estudarmos a Ética, nos deparamos com questões complexas e amiúde polêmicas, devido à sua aplicabilidade e sua entrância em todos os setores da sociedade, sejam ou não acadêmicos.

A ética prática, que consiste na aplicação da ética ou da moralidade, é amplamente analisada no livro utilizado como referência para o presente estudo, extraída de livro de mesmo nome, do filósofo australiano Peter Singer. Um dos mais influentes pensadores de Ética na atualidade, Singer argumenta muito racionalmente a respeito de temas já conhecidos no setor, mas igualmente traz diversas novas abordagens à aplicabilidade da Ética, o que torna sua obra fundamental para aquele que deseja aprofundar-se no estudo da mesma e nos problemas atuais da filosofia. Suas abordagens principais são a questão do tratamento dispensado às minorias étnicas, igualdade para as mulheres (sexismo), uso de animais em pesquisas e fabricação de alimentos, preservação do meio-ambiente, aborto, eutanásia e obrigação dos ricos para com os pobres.

A visão da Ética Prática é utilitarista e baseia-se em princípios como o da universalizabilidade e da igual consideração de interesses que, ao serem analisados profundamente, com coerência e lógica filosóficas, dificilmente encontramos uma contra-argumentação satisfatória – o que torna seu estudo tão desafiador quanto interessante.


(Clique para ampliar)

Nossos juízos éticos, como um todo, estão em constante desenvolvimento. Uma mostra disso é o critério técnico atual de “morte cerebral”, para decidir quando alguém está morto, a evolução da questão do aborto (o Brasil é hoje, excluindo-se os países teocráticos, um dos países mais conservadores em relação ao aborto e ainda assim palco de tantas polêmicas relacionadas ao tema), e até mesmo quando decidimos desligar a máquina que mantém uma pessoa em estado vegetativo viva. É importante que mantenhamos o espírito aberto sobre estas coisas e que permaneçamos em alerta sobre o que devemos fazer e os motivos para tais decisões.

A universalizabilidade, para Singer, é fundamental para um agir ético coerente. Quando adota-se uma postura moral, deve-se considerar as questões do ponto de vista de todos que serão afetados. Isto significa que temos de nos colocar imaginariamente na posição deles, assim como na nossa, e de decidir o que fazer depois de dar tanto peso às suas preferências como que damos às nossas. Se fizéssemos isso relativamente às pessoas mais pobres que vivem nos países menos desenvolvidos, veríamos o quanto gastamos com supérfluos que podem muito bem serem revertidos em saciedade das necessidades básicas de outras pessoas, e isso pode fazer uma grande diferença às pessoas miseráveis no mundo. Se déssemos aos interesses desses pobres o mesmo peso que damos aos nossos, como deveríamos fazer, daríamos dinheiro a organizações que ajudam essas pessoas a superar sua pobreza e a tornarem-se auto-suficientes.

A questão da exploração dos animais, que recebe a devida atenção na obra do presente estudo, é abordada pelos mesmos princípios que satisfazem o próprio entendimento humano a respeito da igualdade. O que faz sentido para a igualdade entre os homens – a igual consideração de interesses – torna imperativo que alarguemos a abordagem para os animais senscientes e/ou autoconscientes. O fato de os animais não pertencerem à nossa espécie não justifica o desrespeito pelos seus interesses, assim como não justifica desconsiderar os interesses de outro ser humano baseando-se na sua nacionalidade ou cor da pele. Quando nos colocamos efetivamente no lugar dos animais, vemos que os interesses que a exploração pecuária intensiva serve – obrigando-a, por exemplo, a produzir carne de porco criando estes animais em jaulas tão estreitas, que eles mal podem se mexer – não pode justificar o sofrimento dos porcos. Para nós, comer carne de porco é apenas um luxo, um prazer do paladar, mas para os porcos, significa uma vida inteira de miséria, dor, tédio e privação. Isto é algo que não se pode defender de um ponto de vista que considere o interesse dos animais, segundo as atribuições do critério da igual consideração de interesses.

A questão do meio-ambiente também merece um capítulo a parte, haja vista que a humanidade tem entrado numa areia movediça na qual não enxerga salvação, mas apenas paliativos que podem retardar o caos que se prevê para o futuro: a aceleração do efeito estufa. Pouco se divulga, no entanto, que a maior causa desse mal é a pecuária – o petróleo e suas conseqüências vêm em seguida. O confinamento do gado, que não só traz uma vida de miséria, dor e privação, como se não bastasse, também é co-responsável pelo problema global. Soma-se a isso as queimadas nas nações produtoras de carne, especialmente as mais subdesenvolvidas, como o Brasil, para a criação do gado de corte e para a produção dos grãos destinados à alimentação dos mesmos. O solo, após anos de pastagem também fica inutilizável – inclusive para plantação – o que obriga os produtores buscar novas terras para exploração. Isso sem contar com outros problemas antropológicos, como no caso específico do Brasil que os fazendeiros estão em constante guerra com os nativos indígenas em busca de mais terras. Uma guerra que vai muito além da terra, proveniente de todo o mal que a cultura da carne desencadeia.


O princípio da consideração de interesses implica que a nossa preocupação com os outros não deve depender de como são, ou das aptidões que possuem. É com base nisso que podemos afirmar que o fato de algumas pessoas não serem membros de nossa raça não nos dá o direito de explorá-las e, da mesma forma, que o fato de algumas pessoas serem menos inteligentes que outras não significa que os seus interesses possam ser colocados em segundo plano.

É importante que questões centrais da filosofia não sejam omitidas, e fiz questão de trabalhar com a aplicabilidade da Ética por ser uma área incipiente na filosofia e de tanta relevância nos nossos tempos. A reflexão sobre o mito da sacralização da vida humana não pode parar no estágio da contestação; é fundamental que se vá além e apreciarmos as conseqüências da maior responsabilidade do homem para consigo e para com a natureza.

A universalizabilidade da ética se faz necessária, assim como o princípio da igual consideração de interesses, para uma factual postura ética – e necessariamente não-demagógica – a respeito de temas que podem, inclusive, determinar o futuro da humanidade, como a questão ambiental.




segunda-feira, 8 de junho de 2009

Sobre a importância do questionar

Questionar é a base para a aquisição do conhecimento. O próprio perguntar, em si, a princípio, subentende ausência da resposta, da cognição, e supõe por conseguinte a necessidade de conhecê-la. Precisamos ter estima ao que não conhecemos – já que a gama de possibilidades é tão vasta. Há cegueira pior do que não querer saber?

Sabedoria não é o mesmo que “saber”; haja vista que o último pode limitar-se ao acúmulo de conhecimento, que não necessariamente está ligada à capacidade de raciocínio. Sócrates era relativista e já foi definido pelo professor da UFPE Dr. Marcelo Pelizolli até mesmo como um sofista, porém com uma forte postura ética. Apesar do “só sei que nada sei” clássico socrático, o próprio admite a existência de uma verdade e/ou ética. Acontece que, para os sofistas, “o homem é a medida de todas as coisas”, então ocorre uma relativização generalizada. Tudo passa a ser relativo, inclusive os valores éticos/morais. Desta forma, o sofista não constrói conhecimento ou mesmo possui uma moral.

Ainda que no método socrático a própria pergunta já seja uma resposta a uma outra pergunta, isso se veicula com a idéia da busca do conhecimento, a vontade de conhecer. O ato de questionar, em si, aliado à técnica da maiêutica e ao uso da ironia, se fez presente nesse emergir da Filosofia ateniense.






quinta-feira, 4 de junho de 2009

Sobre o ceticismo contemporâneo

A antropologia filosófica tem um quê de metafísica dentro do que se defina por antropológico; investiga a estrutura essencial do homem. O homem, por sua vez, conduz a especulação filosófica, já que todos os juizos nossos são necessariamente juizos humanos, provenientes de reflexões necessariamente humanas.

O modo de existir e de ser torna o homem acessível às realidades investigadas pela filosofia, e a transcendem no modo em que tudo parte de uma perspectiva humana. O ego, nesse caso, torna-se fundamental para essa concepção, já que ninguém pode sentir fora de si ou saber com exatidão como é a dor ou a impressão que outrem teve sobre uma mesma ação ou objeto. De fato, quando nos damos conta da igual limitação da própria linguagem, que é mera tradução dos nossos próprios pensamentos, nos pegamos numa situação de extrema limitação do entendimento. Na própria Filosofia da Arte temos que um mesmo objeto de apreciação tem diversas interpretações num mesmo homem – desde que em momentos distintos – o que diremos, então, de uma sensação externa a nós? Segundo Miguel Eugênio Almeida, da UEMS, “a concepção da língua como produto histórico-social implica, antes de tudo, a dimensão do homem como ser de linguagem e como ser social, no contexto da Antropologia Filosófica. O homem revela-se e revela a realidade do mundo perante a linguagem”. Ou seja, Ao relacionarmos a História da Linguagem com a Filosofia, estamos buscando o princípio do Ser; na Antropologia Filosófica, indagamos a posição do homem no mundo. Assim, a linguagem compreende a relação do homem com todas as coisas. A linguagem envolve o Ser em toda a sua plenitude, como diria Heidegger: a linguagem é a casa do ser. Isto é, o Ser está na linguagem e vice-versa. Tudo que o homem diz, faz ou pensa está presente à linguagem. É pertinente a relação da mesma (linguagem) com toda produção cultural humana. Trabalhamos mitos de entendimento a todo o tempo, pois não temos condições alguma de termos idéia de como as coisas são de fato – a coisa em si. Sentimos a necessidade de confiar na “ciência”, mas ela própria baseia-se na observação de causas e efeitos, a partir de estatísticas. Eis o método científico, que é o primeiro a ser incapaz de proporcionar respostas sobre a coisa em si. O próprio fato de confiarmos tanto na ciência parte de um mito, já que o agente receptor da informação não participa do método científico empregado para a aquisição dos seus resultados.

O que dizer, também, sobre o autoconhecimento? A frase do oráculo de Delphos, atribuída comumente a Sócrates, por tê-la proferido, permanece até hoje perturbadora. Como poderemos estar tão preocupados com o conhecimento factual do mundo e das coisas ao nosso redor se não conhecemos a nós mesmos? E mais, se o próprio autoconhecimento é algo distante, qual o conhecimento real que temos do mundo? Isso também nos leva à clássica problemática da cognição a partir dos sentidos – empirismo. Como poderíamos confiar nos sentidos para a aquisição do conhecimento, se os próprios podem ser os primeiros a nos enganar? Com a nossa tecnologia atual, de fato, sabemos que há diversas informações ao nosso redor que simplesmente não são captadas por nossos órgãos, como infravermelho, bluetooth, lasers, sons em determinados graus de agudo, sinais de rádio, entre outros. E, se antes o antropocentrismo nos mostrou que o homem é a medida de todas as coisas, hoje temos uma tendência biocêntrica, com o respeito pela vida como um todo. Cada vez mais nos vemos isolados num universo que parece extenso demais para nossa diminuta consciência. Dados progressivos mostram que a cada ano que passa, aumenta a quantidade de pessoas céticas. Sem religião. Nessas estatísticas, estão inclusos teístas, mas também o estão os agnósticos e os ateus. O homem do século XXI está descrente. Na vasta imensidão em que ele se encontra, busca sentido para o mundo. E para a própria vida. Sua própria existência foi questionada. O relativismo que tanto irritava Descartes foi vencido a princípio com a afirmação do pensamento. Com o trunfo do “penso, logo existo”, essa seria a primeira verdade absoluta: nossa existência! Contudo, filósofos posteriores mostraram que a coisa não era bem assim. Voltamos à estaca zero. Nossa nova tendência está agora vinculada à “invenção” contemporânea da perspectiva do ‘si mesmo’ – soi même – que na modernidade e nos tempos anteriores à mesma era ausente.

No século passado, a humanidade promoveu duas grandes guerras, instaurou diferentes sistemas econômicos, tentou melhorar o modo de produção capitalista... mas esbarrou na própria limitação do ego. Estivemos, por fim, a beira de uma guerra nuclear durante a guerra fria e hoje tenta-se promover o consenso de que as guerras são abomináveis, em detrimento da diplomacia racional. Contudo, a tecnologia que tanto reverbera nossa capacidade inventiva, ainda não foi capaz de dar um sentido absoluto à existência. Se “a técnica”, realmente, “desumanizou o homem”, é para nós agora imperativo que reconheçamos nossas limitações, juntar nossos cacos e seguir em frente. Continuamos na estaca zero, inclusive nos perguntando o que é que de fato somos, como Sócrates, há dois milênios.