sábado, 17 de dezembro de 2011

Qual a diferença entre a vida de uma alface e a de uma vaca?


Escrevi diversos artigos que abordam essa área da Filosofia tão importante que é a Ética. Presumi, contudo, que não era necessário me aprofundar nessa questão da valoração da vida, mas devido à insistente comparação dos opositores aos movimentos em defesa dos animais entre a vida de uma alface e a vida de uma vaca, porca, cavalo, etc., senti-me obrigado, por mais massante que seja, a me voltar para esse tema. Considero cansativo por não acreditar que quem levanta uma questão dessas esteja sendo intelectualmente honesto, salvo algum caso de muita ingenuidade.

Na postagem "Dessacralizando a vida humana", defendi que não é racional o argumento religioso de que a vida do ser humano é diferente por ser sagrada. A partir disso, precisamos nos perguntar qual é o tipo de vida que deve ser levado em consideração por intermédio da compreensão dos seus interesses. Se, à primeira vista, parece lógico que uma alface tem vida e que somente por isso ela deve ser preservada e seria, do ponto de vista utilitarista, tão antiético comê-la quanto comer um boi, essa afirmação mostra-se absurda quando minimamente questionada. Os animais senscientes que evoluíram, ao longo da história desse planeta, em paralelo com a espécie humana, têm um sistema nervoso semelhante ao nosso, tendo casos, inclusive, de sistemas nervosos ainda mais desenvolvidos do que o da espécie humana. Partindo desse fato, vamos às evidências: o que faz com que seja um imperativo moral para todos os seres humanos o respeito mútuo, torna-se também "obrigatório", se formos intelecutualmente honestos e não manipuladores de argumentos, alastrá-lo para todas as espécies que possuem esses atributos. Isso foi explanado por mim em postagens anteriores, como em "Especismo", "Condições de igualdade", "A Ética Prática", "Singer e a moralidade", dentre outros, e por esse motivo esses temas específicos não serão aprofundados na presente postagem. Se temos interesses na preservação do nosso corpo, em sentir-mo-nos saciados, não sentirmos dor, etc., parece-nos evidente que esses animais que reagem a estímulos e têm consciência de si também possuam estes mesmos atributos. Quando uma galinha ouve um barulho de passos o qual ela está acostumada a ouvir antes de receber milho, evidencia-nos ter memória; quando um cão grita e foge quando leva uma pancada, evidencia-nos dor, e assim o é com membros da nossa própria espécie. Do ponto de vista racionalista, não temos condições de ter sequer noção do que uma outra pessoa é capaz de sentir, ou sequer que outra pessoa seja capaz de pensar. Descartes aprofundou essa abordagem e concluiu que a única verdade que ele considerou irrefutável era a própria existência e nada mais. E que essa existência era um ser que pensa, mas não pode ir além disso; não é capaz de entender o que se passa na alteridade. E é aí que entra a questão da experiência, ou da empiria. Da mesma maneira que só através de evidências podemos pressupor que uma outra pessoa sente dor, mesmo que seja impossível saber se a intensidade da dor que outra pessoa sente seja a mesma que nós sentimos, podemos fazê-lo com os animais observando seu comportamento. Não parece razoável que alguém realmente acredite que uma alface arrancada da terra possa sofrer tanto quanto um boi sofre numa tourada de Madrid.

Um dos grandes problemas que temos em relação à Ética é a "coisificação" de tudo que não é humano, e nisso incluem-se os animais. As razões para isso, ao longo da história são muitas, e as religiões monoteístas infelizmente ajudaram a difundir que o homem é o senhor da criação e que tudo o que está para além da espécie humana só serve para servir ao próprio homem. Esse ponto de vista tem sido trágico para o Meio Ambiente e essa conta acaba voltando para todos nós. É um engano imaginar que podemos ter vantagens num ponto de vista que faz com que a presença do homem no planeta seja como uma erva daninha para uma árvore que não consegue frutificar. Contudo, há um novo paradigma no ar: o Biocentrismo, que reflete um novo estágio na evolução humana do ponto de vista moral. A maioria das populações humanas de hoje não têm mais necessidade de causar dor e sofrimento a outras espécies para sobreviver, e a saciedade da fome de um dia não justifica o sacrifício de uma vida inteira nesse nosso contexto global atual. Ainda mais trágico se torna quando imaginamos que a morte é apenas uma pequena parte de toda uma vida de privações e agonia.

sábado, 10 de dezembro de 2011

Aborto e Infanticídio

Motivos que levariam as mulheres ao aborto, segundo pesquisa nos Estados Unidos


Desde Aristóteles, a Lógica tem fundamentado os argumentos filosóficos para atestar a veracidade de determinadas assertivas. O argumento básico contra o aborto, colocado de uma maneira formal, ficaria mais ou menos assim:

Primeira premissa: É errado matar um ser humano inocente.
Segunda premissa: Um feto humano é um ser humano inocente.
Conclusão: Logo, é errado matar um feto humano.

Com novas tecnologias, questões éticas e morais precisam ser constantemente repensadas. Hoje se pode detectar futuros problemas no embrião por um exame radiológico, que denuncie a presença de anormalidades genéticas, sendo rejeitados sempre que essas possíveis anormalidades são descobertas. O doutor Robert Edwards¹ afirmou que vai ser cientificamente possível desenvolver embriões in vitro a tal ponto que, cerca de 17 dias depois da fertilização, eles desenvolvam células sangüíneas indiferenciadas que possam ser usadas para o tratamento de várias doenças sangüíneas não letais. Muitos outros doutores, especulando sobre avanços futuros, já se perguntaram se algum dia chegaremos a ter bancos de embriões ou fetos que possam fornecer órgãos aos que dele necessitem.
Sobre a condição do feto recém-fertilizado, Singer objeta o que

“O aborto e as experiências destrutivas com embriões colocam questões éticas difíceis, pois o desenvolvimento do ser humano é um processo gradual. Se considerarmos o óvulo fertilizado imediatamente depois da concepção, será difícil ficar abalado com sua morte. O óvulo fertilizado é uma célula única. Depois de vários dias, ainda não deixou de ser um minúsculo grupo de células que não possuem uma única característica anatômica do ser em que mais tarde irão transformar-se. Nesse estágio, as células que vão formar o embrião propriamente dito são indiscerníveis das que vão formar a placenta e o saco amniótico”.¹

Factualmente, nem mesmo podemos saber se após duas semanas formar-se-ão um ou dois indivíduos, pois a separação ainda poderá ocorrer, levando à formação de gêmeos idênticos. Nesse período, surge tão-somente uma ‘linha primitiva’, onde posteriormente desenvolver-se-á a coluna vertebral. Nesse estágio, igualmente, é quase óbvio que o embrião não seja capaz de sentir dor ou tenha algum tipo de consciência. No outro extremo, situa-se um ser humano adulto, com todos os seus atributos, e “matar um ser humano adulto equivale a cometer um assassinato”¹. A não ser em casos muito específicos, como a da pena de morte, por exemplo, trata-se de um ato universalmente condenável. A problemática que precisamos tentar resolver é justamente delimitar essa linha divisória que separe o óvulo fertilizado e o ser humano adulto, e o porquê de ser tolerável matar um e execrável matar o outro. O embrião tem em relação à vida uma possibilidade, haja vista que toda sua formação dependerá de que diversos eventos sejam bem-sucedidos, ao passo que o ser humano adulto saudável tem um valor intrínseco em relação à vida como um bem já consolidado, o que dota sua existência de um direito natural à vida. A percepção do status moral de cada um desses casos é um dos temas centrais do presente artigo: a condição que dá a cada um – ou não – o direito à vida.
A reação de parte dos filósofos éticos e, em termos gerais, a reação dos liberais tradicionais, defensores do aborto, consiste em negar a segunda premissa do argumento com o qual iniciei este tópico, isto é, o foco de discussão é se um feto é um ser humano. Como visto anteriormente, se analisarmos estritamente a condição do ser humano como pertencente à espécie Homo sapiens, tal refutação estaria incorreta, e os opositores do aborto poderiam regozijar-se triunfantes. Contudo, precisamos nos dotar da coragem necessária para aprofundar essa relação com o que é factualmente relevante, já que não há sentido em tornar sagrada a vida humana simplesmente por pertencer à espécie humana. O que torna o status moral do ser humano adulto diferente, são características relevantes, mencionadas na postagem anterior intitulada “Condições de igualdade” que não dependem da mera crença em alguma exclusividade por intermédio de intervenções divinas, como visto na postagem "A dessacralização da vida humana".
A dificuldade, nesse caso, é apontar alguma linha divisória moralmente significativa. Um ponto em que um feto passe a consistir num ser humano. “A menos que tal linha exista, dizem os conservadores, devemos conferir ao embrião o status de criança, ou fazer com que esta tenha o seu status reduzido ao de um embrião; mas ninguém quer permitir que as crianças sejam mortas a pedido de seus pais e, assim, o único ponto de vista defensável está em assegurar ao feto a proteção que asseguramos à criança”¹.
As supostas ‘linhas divisórias’ mais comumente sugeridas são o nascimento, a viabilidade, os primeiros movimentos do feto e o surgimento da consciência. Por se tratar de algo absolutamente concreto, o nascimento é a linha divisória mais visível, além de ajustar-se aos nossos sentimentos. Os animais (humanos ou não-humanos) têm uma característica proveniente da evolução e conservação da espécie que tende a proteger um membro recém-nascido, salvo em casos específicos como por exemplo o do gorila – que pratica o infanticídio com filhotes de outros machos para, provavelmente, mostrar às fêmeas que elas não estão seguras o bastante com o pai dos filhotes, bem como busca disseminar os seus próprios genes.² Obviamente, ficaríamos muito menos perturbados com a destruição de um feto do que de um ser que podemos ver, ouvir e acariciar. Porém, abstendo-se do fator emocional, será que o nascimento é, por si só, suficiente para nos dar as diretrizes se determinado ser poderá ou não ser morto? Os conservadores poderiam resolver essa questão argumentando que o feto/bebê é a mesma entidade independentemente se está dentro ou fora do útero. O fato de podermos vê-la não altera sua condição, pois tal entidade possui o mesmo grau de consciência e a mesma capacidade de sentir dor. Contudo, para Singer, “sob esses aspectos, um bebê prematuro pode ser menos desenvolvido do que um feto que se aproxima do fim de sua duração normal. Parece estranho admitir que não podemos matar o bebê prematuro, mas que podemos matar o feto mais desenvolvido”¹. Isso se dá pela nossa ligação emocional desenvolvida no ato do nascimento. Portanto, a mera localização de um ser – se está dentro ou fora do útero – não pode ser um argumento plausível em relação ao julgamento do seu direito à vida, e “não deveria configurar tanta diferença quanto ao erro que consiste em matá-lo”¹. E o fato é que o aborto é legalizado em quase totalidade do mundo Ocidental, enquanto o infanticídio é considerado assassinato nestes mesmos países, ainda que inexplicavelmente, em muitos casos simplesmente deixar o recém-nascido defeituoso morrer por desidratação e desnutrição é uma simples decisão dos pais, como veremos adiante. O Brasil é um dos países mais conservadores em relação ao aborto, mas ainda assim o permite por lei em casos específicos, como o de estupro e de má-formação embrionária.
A lista dos países, por rigor da lei, em relação ao aborto (Clique para aumentar a nitidez)
Se o nascimento não é capaz de fornecer uma linha divisória para uma distinção moral decisiva, deveríamos recuar ao tempo em que o feto poderia sobreviver fora do útero? Neste caso, a objeção de que o nascimento é o ponto decisivo estaria superada; trata o feto viável em condições de igualdade com o bebê nascido em parto prematuro (no mesmo estágio de desenvolvimento). Singer narra um caso em que “foi na viabilidade que a Corte Suprema dos Estados Unidos buscou a linha divisória (...) [sustentando] que o Estado tem um interesse legítimo de proteger a vida em potencial e que esse interesse se torna ‘inexorável’ na questão da viabilidade, ‘pois, então, supõe-se que o feto tenha a capacidade de levar uma vida significativa fora do útero materno’. Segundo a Corte, portanto, as leis que proíbem o aborto com base na viabilidade não são inconstitucionais. Mas os juízes que subscreveram a decisão majoritária não indicaram por que a mera capacidade de existir fora do útero deve fazer tanta diferença para o interesse do Estado em proteger a vida em potencial. Afinal, se falamos (como faz a Corte), em vida humana em potencial, então o feto inviável pode ser considerado um ser humano adulto em potencial tanto quanto ao feto viável”¹. Como se vê, tal afirmativa não faz o menor sentido quando minimamente aprofundada, e para nossa infelicidade esses casos aparentemente não são julgados por pessoas com alguma formação filosófica.
Há outro ponto digno de consideração em relação à essa questão da viabilidade como ponto de desligamento, afinal, o estágio em que o embrião é capaz de sobreviver fora do corpo da mãe está relacionado com o avanço das tecnologias e, interdependentemente, da medicina. Hoje um feto saudável que nasça 3 meses prematuro dificilmente sucumbirá, ao passo que há trinta anos geralmente aceitava-se que um bebê nascido prematuramente 2 meses dificilmente teria condições de sobrevivência. Por conseguinte, não é razoável afirmar que hoje é moralmente inaceitável abortar um feto saudável aos seis meses de idade, mas que isso poderia ser feito há trinta anos sem configurar-se em um erro, de forma que a viabilidade não pode ser considerada como a linha divisória do status moral do embrião.
O status moral não pode ser uma variável ao sabor do tempo/tecnologia ou da localidade – haja vista que uma mulher da Somália ou do Chade continua sem acesso às tecnologias modernas – mas algo que deva ser buscado via racional para estabelecer uma constante. Alguns liberais poderiam responder à essa questão de forma simplificada, alegando que pelo fato de o feto ser completamente dependente da mãe para sua sobrevivência, ele não teria o direito à vida. Para Singer¹, contudo,

“(...) [nós] não defendemos a idéia de que a total dependência de uma outra pessoa signifique que essa pessoa pode decidir se é preciso viver ou morrer. Se vier a nascer numa região isolada onde não exista nenhuma outra mulher que possa amamentá-lo, nem recursos para que possa ser alimentado com mamadeira, um recém-nascido é uma criatura totalmente dependente de sua mãe. Uma velha pode ser totalmente dependente de seu filho que toma conta dela, e um caminhante que quebra a perna a cinco dias de caminhada da estrada mais próxima pode morrer se o seu companheiro não vier salvá-lo. Não pensamos que, nessas situações, a mãe possa tirar a vida de seu bebê, o filho a de sua velha mãe, ou o caminhante a do seu companheiro ferido.”



Isso nos leva à conclusão de que não faz sentido objetar que a dependência que o feto inviável tem de sua mãe possa dá-la o direito de matá-lo. A dependência, portanto, não justifica que se faça da viabilidade a linha divisória, e nos continua sendo difícil saber o que pode justificá-la. Se nem o nascimento nem a viabilidade são suficientes para o desígnio de um status moral significativo, menos ainda podemos esperar do “terceiro candidato”: os primeiros sinais de vida. Para a teologia cristã, é nesse momento em que o feto ‘ganha’ alma. Se isso fosse factual, esse evento seria de extrema importância, já que, para esses teólogos, é a alma que diferencia os homens dos outros animais. Sabemos que, infelizmente, essa suposição não passa de uma antiga superstição sem fundamento algum, e já foi rejeitada até mesmo pelos teólogos católicos modernos. O mero fato de um feto fazer (ou não) um movimento não pode ser o que define, com seriedade, se alguém passa a ter o direito à continuidade da vida. Afirmar isso seria o mesmo que concluir que os paralíticos não possuem o direito à vida.
Não podemos pautar o conhecimento científico ou filosófico por doutrinas religiosas que baseiam suas explicações em não explicar nada (dando-lhe a alcunha de ‘fé’ para essa ausência de sentido em seus levantamentos doutrinários), de modo que perceber a ausência de sentido em explicações desse tipo elimina naturalmente a hipótese da linha divisória do status moral baseando-se nos primeiros sinais de vida.
Um argumento considerável, no entanto, é a questão da consciência. Saber quando um embrião passa a ter consciência relaciona-se com a obtenção de um sistema nervoso central, e a probabilidade de sentir prazeres e dores, e isso é algo concreto e relevante sobre a questão da importância moral. Apesar disso, em relação ao aborto, tanto conservadores quanto liberais não têm se detido nesta questão, mencionando a condição de consciência do feto. Os opositores do aborto costumam apelar para laços sentimentais, causando choque e mostrando filmes como “Grito Silencioso” para convencer aqueles que não possuem ainda uma posição definida sobre o assunto. Porém, não podemos pautar nossos juízos apenas pela emotividade, haja vista que a razão é a primeira que deve ser consultada para a obtenção de conclusões satisfatórias. Com efeito, os adversários do aborto comumente defendem suas posições apaixonadamente, e por isso acreditam que desde o momento da concepção o ser humano tem direito à vida, e isso sequer passa pela questão da consciência. Por outro lado, para os defensores do aborto, considerar a consciência a linha divisória do status moral que provê o direito à vida pode ser uma estratégia arriscada. Estudos recentes mostram que o movimento já se evidencia na sexta semana pós-fertilização, e outros constataram a existência de alguma atividade cerebral, ainda que primitiva, já na sétima semana e isso sugere que o feto talvez já seja capaz de sentir dor nesse estágio inicial de gravidez.
Infelizmente, ainda não há uma linha divisória capaz de resolver sem objeções contrárias relevantes o problema da fronteira em que o status moral do embrião se torna relevante e dá ao mesmo o direito à vida. Não é possível, ao menos por enquanto, determinar um estágio do desenvolvimento “que possa arcar com o peso de separar os que têm direito à vida daqueles que não o têm, de um modo que mostre, claramente, que os fetos pertencem à última categoria quando estão no estágio de desenvolvimento em que a maior parte dos abortos é feita. Os conservadores pisam em terreno firme quando insistem em que o desenvolvimento que vai do embrião ao recém-nascido é um processo gradual.”¹
Os liberais, em linhas gerais, não discordam da afirmação conservadora de que o embrião é um ser humano inocente, “mas afirmam que, não obstante, o aborto é admissível.” Uma dos argumentos liberais mais usuais, levada recorrentemente aos meios de comunicação inclusive no último processo eleitoral para presidente do Brasil, é o de que independentemente de o aborto ser ou não legal, proibi-lo tão-somente levará que as mulheres que queiram abortar o façam clandestinamente, recorrendo desesperadamente a qualquer abortador desqualificado “de fundo de quintal”, correndo sérios riscos de saúde e até mesmo de vida, ao passo que se fosse possível procurar um médico para fazer aborto, esse episódio seria tão simples como uma outra operação qualquer.
Outro argumento liberal usual é sobre as leis que regem o aborto e não sobre a ética do aborto. O ponto de vista de que “Deve continuar existindo uma esfera da moralidade e da imoralidade pública que, grosso modo, nada tem a ver com a lei.” (Comissão do governo britânico sobre homossexualidade e prostituição). Tal ponto de vista é comum entre os pensadores liberais e suas origens podem ser atribuídas a Sobre a liberdade, de John Stuart Mill³, que afirma:

“(...) o único objetivo em nome do qual o poder pode ser legitimamente exercido sobre qualquer membro de uma comunidade civilizada, contra sua vontade, é o de impedir que os outros sejam prejudicados (...) Ele não pode ser legitimamente forçado a agir ou a abster-se de agir porque será melhor que o faça, porque assim será mais feliz, porque, na opinião dos outros, agir desse modo seria mais sensato, ou mesmo mais certo”.

 
Segundo as feministas, a mulher tem o direito de decidir o que fazer com o seu próprio corpo, e negar isso seria um ato de violência sobre seu livre-arbítrio de fazê-lo. Esse é o último dos três argumentos que procuram justificar o aborto sem negar que o feto é um ser humano inocente. Tal pensamento foi, segundo Singer, “elaborado por filósofos norte-americanos simpáticos à causa feminista”.¹
Voltando-nos às premissas que abriram essa postagem, já podemos perceber que a suscetibilidade da primeira premissa do argumento anti-aborto está no fato de fundamentar-se em nosso status especial da vida humana que, como vimos, é falacioso: ser “humano” é um termo que “se subdivide em duas noções específicas: ser um membro da espécie Homo sapiens e ser uma pessoa”. Singer utiliza o termo “pessoa” para designar qualquer entidade com as características básicas e relevantes de direito à vida, como consciência de si, aspirações, capacidade de sentir prazer ou dor, etc.¹ Se “humano” for tomado como equivalente de “pessoa”, a segunda premissa do argumento, que afirma que o feto é um ser humano, é claramente falsa, pois não se pode, plausivelmente, argumentar que o feto seja um ser humano. Por outro lado, se “humano” for tomado apenas como o significado de “membro da espécie Homo sapiens”, então a defesa conservadora da vida do feto tem por base uma característica que carece de significação moral e, portanto, a primeira premissa é falsa. Nos dois casos, o argumento é inválido, portanto.
Um argumento amiúde utilizado pelos conservadores é o argumento da Potencialidade. Ele baseia-se nas seguintes premissas:

Primeira premissa: É errado matar um ser humano em potencial.
Segunda premissa: Um feto humano é um ser humano em potencial.
Conclusão: Logo, é errado matar um feto humano.

A primeira premissa afirma que qualquer ser humano em potencial tem o direito à vida. Como já analisado anteriormente, fica evidente a fragilidade de tal premissa; por exemplo, se calculássemos todos os seres humanos em potencial em relação às suas respectivas probabilidades de nascimento, chegaríamos à proporções astronômicas, de alguns milhões para um. Um espermatozóide – um ser humano em potencial – compete com milhões de semelhantes para atingir o privilégio de chegar ao óvulo, que por sua vez, também raramente é fecundado, levando-se em conta a quantidade de óvulos que é descartado pelo corpo da mulher durante sua vida. Estes fatos simples evidenciam que o argumento da potencialidade não pode ser considerado. Contudo, a segunda premissa do argumento é mais forte do que a segunda premissa do argumento anterior. Mesmo que seja problemático dizer se o feto é um ser humano (isto vai depender do que queremos dizer com o termo), é inegável que o feto é um ser humano em potencial. Todavia, a fragilidade da primeira premissa torna impossível uma conclusão lógica confiável.
Numa visão utilitarista, um embrião identificado como defeituoso não só pode como deve ser substituído por um embrião saudável. Vamos imaginar o exemplo de um casal que se disponha, por diversas razões, (seja por causa da conciliação do cuidado com os filhos e o trabalho, a viabilidade econômica, etc.), a ter somente dois filhos. O segundo filho, ainda um embrião desenvolvendo-se no útero da mãe, foi identificado com má-formação. Esse embrião, caso seja aceito e consiga sobreviver após o nascimento, certamente levará uma vida de miséria pessoal e privações, pois não pode desenvolver habilidades inerentes à condição de um ser humano adulto normal. A decisão de que este embrião devesse vir à vida, impossibilitou ao casal que tivesse, numa segunda oportunidade, a chance de conceber um filho plenamente saudável e com muito mais chances de possuir uma vida feliz. Isso sem contar com o desgaste emocional que ele evitaria aos seus pais e outros familiares. Também se sabe que os custos para manter um filho com síndrome de Down, por exemplo, são astronômicos, o que potencialmente poderá comprometer a qualidade de vida de todos os membros da família. Este ponto de vista não defende, obviamente, que um ser humano adulto com síndrome de Down deva ser sacrificado; haja vista que ele já desenvolveu algum potencial cognitivo, possivelmente possui aspirações, possui um sistema nervoso que lhe permite sentir dor ou prazer, etc. - a questão central a ser levantada é em relação ao momento que possibilitaria uma decisão de abrir mão de um membro da família que levará uma vida potencialmente miserável, ainda enquanto um embrião. Um casal fértil e saudável poderia optar por escolher ter um novo filho, saudável, sem que isso seja moralmente ou eticamente errado. Baseando-se num hipotético ‘cálculo de felicidade’, partindo do nosso exemplo, um filho saudável traria muito mais alegria aos pais e a ele próprio teria uma vida em condições plenas.
Peter Singer, como especialista na aplicabilidade da ética, amiúde utiliza exemplos para ajudar a elucidar entendimentos teóricos. Em seu livro Should the Baby Live?, sem versão em português, escrito em parceria com Helga Kuhse, ele narra um caso bastante simbólico: um dos casos mais extensamente publicados de um infante anormal ter sido deliberadamente permitido morrer. É o “Caso John Hopkins”, nomeado desta forma por ter acontecido no hospital de mesmo nome, em Baltimore, nos Estados Unidos. A criança tinha síndrome de Down e um bloqueio no seu sistema digestivo. O bloqueio poderia ter sido removido por cirurgia, mas a mãe da criança, que era uma enfermeira, recusou-se a autorizar a operação. O pai aceitou a decisão dela, adotando o ponto de vista de que sua esposa tinha muito mais conhecimentos sobre estes casos em relação ao que ele poderia ter. Então, o bebê permaneceu sem tratamento. Ele não poderia digerir qualquer comida que fosse inserida em sua boca, e nenhuma tentativa foi executada para alimentá-lo de outra maneira. O bebê levou quinze dias para morrer.4
Uma versão dramatizada de eventos como esse foi transformado em um filme intitulado Quem Deve Sobreviver? [Who Should Survive?]. O filme mostra como, após os pais terem tomado suas decisões, o bebê é colocado num local da sala com uma advertência escrita: “NADA PELA BOCA”. Enfermeiras são mostradas balançando os bebês chorosos, tentando confortá-los. O filme discute o quanto foi difícil para a equipe de enfermagem ser incapaz de fazer qualquer coisa além de olhar os bebês definharem por desidratação e fome. O filme também mostra o médico conversando ao telefone com o pai do bebê, ao qual ligava diariamente para comunicar ‘como as coisas iam indo’. Esse médico não podia falar nada, exceto que tudo estava acontecendo como alguém esperaria, só que lentamente.4
Tal filme foi mostrado a estudantes de Filosofia, numa cadeira de Ética com ênfase em ‘Problemáticas Morais Contemporâneas’. Não surpreendentemente, os que assistiram o filme consideraram-no perturbador. A maioria dos que assistiram acreditavam que aquilo não deveria ter acontecido. Menos previsível, contudo, é que não foram todos que discordaram da decisão dos pais de refutar a permissão para a operação, e o que a extensa maioria deles considerou questionável não foi a decisão de que um bebê com síndrome de Down não deveria ser mantido vivo; eles objetam, factualmente, a maneira pela qual essa decisão foi executada. Eles ficaram horrorizados que a morte dos recém-nascidos tenha tido a necessidade de ser lenta, em aproximadamente quinze dias de pura agonia para as enfermeiras que os acompanhavam, para os médicos, para as famílias e, principalmente, para os bebês.4
           O questionamento mais recorrente foi sobre o porquê de eles terem sido mantidos vivos ao invés de terem sido submetidos a uma morte rápida e indolor logo de início, que os pouparia de tanto sofrimento.

Referências:
¹ SINGER, Peter. Ética Prática. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
² VARELLA, Drauzio. Macacos. São Paulo: Publifolha, 2000.
³ MILL, J. S. Sobre a Liberdade. Lisboa: Edições 70, 2010.
4 SINGER, Peter; KUHSE, Helga. Should The Baby Live? The Problem of Handicapped Infants. Oxford: Oxford University Press, 1985.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Especismo


Nicola Abbagnano, em seu Dicionário de Filosofia, define especismo como “termo polêmico usado por Peter Singer (...) e pelos filósofos animalistas para indicar a discriminação dos seres vivos com base na espécie a que pertençam. Discriminação que seria tão grave quanto a distinção dos seres humanos com base na raça (racismo) e no sexo (sexismo).”¹

A polêmica é natural quando alguma nova concepção filosófica ou científica faz-se presente por intermédio de argumentos racionais. Quando algo propõe-se a contestar a realidade ou o costume vigente, ela confronta padrões solidificados há bastante tempo, e no caso da moralidade isso se torna ainda mais grave. A ética, em geral, mexe com sentimentos profundos do ser humano, e das entranhas dos valores éticos e morais o ser humano constitui sua própria identidade, moldada e adaptada ao meio desde os seus primórdios, na infância. Quando esses valores são contestados, a reação dependerá da sensibilidade do receptor para determinadas questões – no nosso caso, éticas – para a assimilação através da percepção racional ou da refutação por intermédio de valores que se confundem com a própria identidade.

A lógica “animalista”, como se refere Abbagnano, é baseada em alicerces sólidos, lógicos e racionais. A condição de igualdade mesmo entre Homo sapiens precisa ser algo básico, que seja capaz de enquadrar todos os seres humanos capazes de ter aspirações, interesses, capacidade de relacionar-se com os outros, e assim por diante.

Para Peter Singer², um interesse é um interesse, seja lá de quem for – não importa a etnia, local de nascimento ou sexo. Só um princípio moral básico é capaz de englobar e enquadrar as diferenças dos homens, e aceitá-lo torna imperativo o estendermos para qualquer espécie que tenha as mesmas capacidades que possam lhes fornecer da mesma forma o direito à vida e o respeito ao seu bem-estar.

Para os abolicionistas, o ser humano no estágio atual de desenvolvimento tecnológico não precisa mais matar outros indivíduos para garantir a sobrevivência. Eles acusam os especistas de financiarem, através do hábito, o assassinato de milhões de seres senscientes e com os mesmos interesses dos seres humanos, como não sentir fome, ter bem-estar, ter uma vida social saudável, não sentir dor, etc. Estes fundamentos são baseados, em grande parte no utilitarismo de Peter Singer.


¹ ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
² SINGER, Peter. Ética Prática. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Condições de igualdade

Nas últimas décadas, o mundo tem sido palco de mudanças drásticas das atitudes morais. A maior parte delas ainda é polêmica, como o aborto, proibido quase no mundo todo há trinta anos, é legalizado hoje na maior parte do globo. E outras atitudes morais em relação à postura das pessoas diante do sexo fora do casamento, homossexualidade, pornografia, eutanásia e até o suicídio. Por maior que tenham sido as mudanças, não é possível afirmar que se chegou a nenhum novo consenso: “(...) [tais] questões continuam sendo polêmicas, e é possível defender cada uma das partes sem pôr em risco a nossa posição intelectual ou social.”¹
Contudo com a questão da igualdade passou-se algo diferente. Houve uma perceptível mudança em relação da igualdade – especialmente no que tange ao racismo – e ninguém hoje pode declarar-se contra a máxima de que todos são iguais sem sofrer danosas conseqüências das mais diversas, seja na vida pública ou na privada. As idéias racistas que dominavam a Europa na virada do século retrasado para o século passado hoje seriam inaceitáveis. Mas em que sentido nós somos iguais?
Se formos além do consenso de que as formas notórias de discriminação racial são condenáveis, o fato é que nós não somos iguais: uns são mais baixos, outros mais altos, alguns mostram excelente aptidão para música, já outros preferem matemática, e assim por diante. John Rawls² tentou estabelecer racionalmente uma base para a condição de igualdade, a qual ele chamou “propriedade de âmbito”. A propriedade de âmbito alega que a igualdade pode basear-se nas características fundamentais dos seres humanos. Vamos supor que tracemos um círculo num pedaço de papel. Todos os pontos no interior do círculo – é esse o “âmbito” – têm a propriedade de estar dentro do círculo, e todos têm igualmente essa propriedade. Alguns pontos podem estar mais próximos do centro do círculo, outros na periferia, mas todos estão igualmente dentro do círculo. Essa diferença justificaria as distintas características dos indivíduos. Dessa forma, Rawls identifica a “personalidade moral” como inerente a todo e qualquer ser humano, e todos possuem-na igualmente. Ele utiliza o termo “moral” em contraste com “amoral” e não uma personalidade necessariamente moralmente boa. Essa personalidade moral, diz Rawls, gera um senso de justiça.
Segundo Singer¹,

“Rawls afirma que a personalidade moral constitui a base da igualdade humana, um ponto de vista que provém de sua abordagem ‘contratual’ da justiça. A tradição do contrato vê a ética como uma espécie de acordo mutuamente benéfico – grosso modo, algo como ‘Não me agrida para não ser agredido’. Portanto, só estão dentro da esfera ética aqueles que são capazes de compreender o fato de não estarem sendo agredidos e de, conseqüentemente, refrear a sua própria agressividade”.

Contudo, há diversos problemas em relação ao uso da personalidade moral como condição básica da igualdade; concentrar-me-ei nas mais significativas. Uma das objeções é que a personalidade moral incute uma questão de grau, isto é, enquanto algumas pessoas são extremamente sensíveis às questões de justiça e ética, outras têm somente uma consciência limitada de tais princípios; e alguns são simplesmente mais inteligentes que outros. A questão como proposta por Rawls não delimita esta fronteira, e é incapaz de explicar este problema. Não há no argumento da personalidade moral algo que delimite esse mínimo. Conseqüentemente, não é intuitivamente óbvio pois, sendo a personalidade moral tão importante, não deveríamos ter graus de status moral, com diferentes direitos e deveres, relacionados proporcionalmente ao grau de refinamento do senso de justiça de cada um.
Contudo, o que deixa ainda mais frágil o pensamento de John Rawls a respeito da igualdade, é de que é simplesmente inverdade que todos os seres humanos são pessoas morais, ainda que no sentido mais ínfimo da palavra. Podemos exemplificar os casos de deficientes mentais profundos ou bebês e crianças, que carecem do necessário senso de justiça. E nossa noção de igualdade jamais exclui bebês, crianças e deficientes mentais. Portanto, precisamos nos atentar para outros fatores que possam delinear racionalmente as condições mais básicas de igualdade.
A questão da inteligência também não pode ser considerada como um atributo para a igualdade – já que ela difere de um indivíduo para outro – ou argumento para a desigualdade, já que uma sociedade baseada numa hierarquia escravagista por intermédio de testes de QQII seria extremamente condenável. Se não podemos basear nossas condições de igualdade na raça, na propriedade de âmbito ou na inteligência, quais seriam os alicerces da igualdade?
Peter Singer considera que, para conseguirmos uma condição de igualdade necessária, precisamos considerar atributos relevantes. A única razão logicamente imperiosa para considerarmos outro indivíduo é quando consideramos seus interesses. Para Singer, “a igualdade é um princípio ético básico, e não uma assertiva factual.”¹ E isso, finalmente, nos proporciona um princípio ético básico: a igual consideração dos interesses.
Só o igual consideração de interesses é capaz de mostrar racionalmente que são equivocadas quaisquer formas de discriminação, tais como o sexismo ou o racismo: os nazistas, por exemplo, só estavam preocupados com o bem-estar de sua suposta raça “ariana”, ignorando por completo os interesses dos judeus, dos ciganos e dos eslavos.
O princípio da igual consideração de interesses não é puramente formal, é substancial e forte, pois é capaz de excluir o racismo e o sexismo. Além disso, “(...) se examinarmos o impacto do princípio (...) [numa] sociedade hierárquica imaginária baseada em testes de inteligência, poderemos ver que ele é forte o bastante para proporcionar uma base que permita rejeitar também essa forma mais sofisticada de não-igualitarismo.”¹
Os interesses naturais mais fundamentais dos indivíduos estão relacionados com o bem-estar, como não sentir dor. Isso nos dá um referente biológico, que é o sistema nervoso central, que também relaciona-se com a aquisição do prazer. Fatores como a auto-preservação, consciência de si e capacidade de relacionar-se com outros indivíduos também são relevantes. Uma vez aceito esse princípio básico, é eticamente prudente que extendamos este princípio a todos os indivíduos que são dotados dos mesmos interesses, independentemente da espécie.





¹ SINGER, Peter. Ética Prática. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
² RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. São Paulo: Martins, 2008.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Polêmica: em busca do Cristo histórico


Como nós reagiríamos se descobríssemos que Jesus é, factualmente, um mito? Teria sido esse suposto mito patrocinado, oficializado e difundido pela Roma Antiga para reunificar e reestabelecer a ordem num Império em crise? E se existiu algum Jesus, será que é o mesmo relatado na Bíblia, tal e qual? Já andei vasculhando bastante alguma literatura imparcial sobre o Cristo histórico. Encontrei algumas coisas, mas nenhuma publicação relevante em português. Algumas das minhas fontes indicam que o próprio Vaticano, até hoje, não consegue comprovar a existência histórica do Cristo, já que não há historiadores da época de Cristo que tenham mencionado o próprio, mesmo com uma vasta gama de literatura e pesquisadores à época, o que possibilitou a construção da Biblioteca maravilhosa de Alexandria. Ao que parece, Jesus era um nome comum à época do Cristo bíblico, mas o próprio Cristo, como o conhecemos na Bíblia, até onde eu cheguei, permanece uma incógnita. Mesmo Sócrates, que não deixou nada escrito de próprio punho, bem anterior a Jesus, foi documentado por diversos contemporâneos e sucessores, além de algumas evidências físicas (como o local em que ficou encarcerado, por exemplo, que é hoje alvo de visitação turística na Grécia). Na década de 70, encontraram um pergaminho no Oriente Médio que talvez, segundo o Vaticano, tivesse sido "a primeira prova sobre o Jesus histórico", mas que não resistiu a uma investigação mais aprofundada. Sou naturalmente curioso, e não resisto quando percebo que algo não está muito claro. Não creio que seja possível chegar a uma conclusão pertinente com uma pesquisa superficial, já que um assunto tão polêmico certamente deveria nos trazer maiores investigações pelos historiadores, e pelo que percebi, o material a respeito ainda não é muito vasto. Contudo, nada é conclusivo. Será que o mito é tão forte que impele as pessoas de buscar a fundo as suas origens? Encontrei reunidos alguns mitos fundadores do cristianismo, que ajudam a nos alimentar o senso investigativo. Ei-los:
 

HÓRUS 3.000 a.C.
Deus egípcio do Céu, do Sol e da Lua.
Nasceu de Isis, de forma milagrosa, sem envolvimento sexual.
Seu nascimento é comemorado em 25 de dezembro.
Ressuscitou um homem de nome EL-AZAR-US.
Um de seus títulos é "Krst" ou "Karast".

MITHRAS séc. I a.C.
Originalmente um deus persa, mas foi adotado pelos romanos e convertido em deus Sol.
Intermediário entre Ormuzd (Deus-Pai) e o homem.
Seu nascimento é comemorado em 25 de dezembro.
Nasceu de forma milagrosa, sem envolvimento sexual.
Pastores vieram adorá-lo, com presentes como ouro e incenso.
Após sua morte, ressuscitou.

BUDA séc. V a.C.
Sua missão de salvador do mundo foi profetizada quando ele ainda era um bebê.
Por volta dos 30 anos inicia sua vida espiritual.
Foi impiedosamente tentado pelas forças do mal enquanto jejuava.
Caminhou sobre as águas (Anguttara Nikaya 3:60).
Ensinava por meio de parábolas, inclusive uma sobre um filho pródigo.
A partir de um pão alimentou 500 discípulos, e ainda sobrou (Jataka).
Transfigurou-se em frente aos discípulos, com luz saindo de seu corpo.
Após sua morte, ressuscitou. (apenas na tradição chinesa)

BACO / DIONÍSIO séc. II a.C.
Deus grego do vinho
Nascido da virgem Sémele (que foi fecundada por Zeus)
Quando criança, quiseram matá-lo.
Fez muitos milagres, como a transformação da água em vinho e a multiplicação dos peixes.
Após a morte, ressuscitou;
Era chamado de “Filho pródigo [sic] de Zeus"

HÉRCULES séc. II a.C.
Nascido da virgem Alcmena, que foi fecundada por Zeus (o Deus tarado deflorador)
Seu nascimento é comemorado em 25 de dezembro.
Foi impiedosamente tentado pelas forças do mal.
A causadora de sua morte (sua esposa) se arrepende e se mata enforcada.
Estão presentes no momento de sua morte sua mãe e seu discípulo mais amado (Hylas).
Sua morte é acompanhada por um terremoto e um eclipse do Sol.
Após sua morte, ressuscitou, ascendendo aos céus.

KRISHNA 3.228 a.C., então, nem se fala...
Krishna é um mito ainda mais antigo, cerca de 2000 anos anterior a Cristo. Trata-se de um avatar do Deus Vishnu – um avatar é como se fosse a personificação ou encarnação de um deus... sugestivo, não? Vejamos:

“Krishna nasceu da Virgem Devaki (“Divina”)
É chamado o “Pastor-Deus”.
É a segunda pessoa da trindade.
Foi perseguido por um tirano que requisitou o massacre dos milhares dos infantes.
Trabalhava milagres e maravilhas.
Em algumas tradições morreu em uma árvore.
Subiu aos céus”
Notem também o semelhança dos nomes “Krishna” e “Cristo”. Sendo que Krishna é muito anterior a Cristo, o que se supõe?

Esses não são os únicos a apresentar esse espantoso "parentesco biográfico" com Jesus. Adonis (Grécia), Átis (Frígia), Balenho (Celtas), Joel (Germanos); Fo (China); Quetzocoalt (Olmecas, Maias), todos eles nasceram de forma virginal, morreram sacrificados, seu sangue "purifica" e abençoa, ressuscitaram, e sua herança é o amor incondicional ao Criador de todas as coisas; amor que se manifesta amando as criaturas. Algumas destas lendas podem ter sofrido influência direta da história de Jesus, já que os cultos coexistiram com o cristianismo primitivo, mas certamente a imensa maioria surgiu antes. Há também muita lenda urbana, de pessoas acrescentando mais similaridades nos deuses antigos por conta própria, como se isso tudo já não fosse o bastante.

Alguns sites / links que abordam o assunto, em português:
http://ceticismo.wordpress.com/2007/02/05/a-maior-farsa-de-todos-os-tempos-jesus-cristo-nunca-existiu/
http://ateus.net/artigos/critica/jesus-cristo-nunca-existiu/
http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20100126044600AAWDvIH
http://www.gotquestions.org/portugues/Jesus-existiu.html
http://pedrodoria.com.br/2007/12/21/em-busca-de-jesus/
http://pt.wikipedia.org/wiki/Arqueologia_b%C3%ADblica#Algumas_descobertas_relevantes
http://ceticismo.net/religiao/a-maior-farsa-de-todos-os-tempos/a-falta-de-evidencia-historica-para-jesus/
http://www.1000questions.net/pt/chroniq/histo_pt.html
http://www.ataliba.eti.br/files/txts/jesus_cristo_nao_existiu_5.pdf
http://www.unineuro.com.br/website/index.php/publicogeral/pagina/d9690a64e1f9b90d37b5659c5c225cf5

http://pt.wikinews.org/wiki/Tribunal_italiano_decidir%C3%A1_se_Jesus_Cristo_existiu
http://quemtembocavaiaroma.livreforum.com/t111-jesus-cristo-existiu
http://embuscadojesushistorico.blogspot.com/
http://jesuspuzzle.humanists.net/ (em inglês) 





Também não tenho respostas. Mas é importante sermos inquietos o bastante para almejá-las.

sábado, 1 de outubro de 2011

Ressaca Moral


Antes da certeza do arrependimento certo
Em tentação na pobre carne que suporta
Tão febril alma a tombar no deserto
Que vaga, perde, sonha, ignora e acorda

Pior que o prazer leviano do momento fútil
É n´outro alvorecer não enxergar o homem
Desfazendo-se toda a ilusão do que seja inútil
Tal aurora em miragem nunca me fez bem!

Iludir-me-ei novamente ao ficar feliz por acabar.
Arriscar-me-ei a vida encontrando-a de volta, com certeza.
Arrepender-me-ei novamente sem mais ter em quê pensar.