sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Ética e Eutanásia


Há uma harmonia nas concepções de Peter Singer a partir da universalizabilidade e da consideração de interesses, onde tudo se encaixa quando aceitamos as máximas que fundamentam os seus preceitos. Tal como o estreitismo entre a questão do aborto, no autor, como a questão da eutanásia.
A eutanásia tem sido freqüentemente debatida hoje por conta, em grande parte, das novas tecnologias e que, através de seus aparatos, conseguem estender a vida em estado miserável e/ou vegetativo até as últimas conseqüências, e o objetivo disso torna-se questionável nos casos em que manter uma vida em estado miserável só virá a trazer sofrimento ao doente e à família, e no estado vegetativo, será somente a família o alvo do padecimento, já que o próprio paciente já não tem qualquer capacidade de entender o que se passa, de sentir, capacidade de discernimento, enfim, o paciente encontra-se numa debilidade tão grande que nem mesmo mais sofre ou tem quaisquer tipos de prazeres.
A “eutanásia”, nos dicionários, é descrita como uma morte serena, sem sofrimentos. Há uma ligação íntima da eutanásia, neste sentido, e o suicídio desde os tempos primórdios da História da Filosofia. Ambos os casos estão relacionados com a autonomia daquele agente que sofre: só ele será capaz de decidir para si entre a vida e a morte – e nesse caso encaixar-se-ia com o conceito de “eutanásia voluntária” em Singer.
Na História da Filosofia, nossa concepção atual sobre “eutanásia” confunde-se com o ato do suicídio, que é um tema que é tabu em todas as sociedades. Ainda que em casos específicos, como o dos estóicos, ou no caso do suicídio pela honra da família, como acontece desde os tempos primórdios da cultura japonesa, é um tema que causa espanto e controvérsias.
Os estóicos respeitavam o ato do suicídio. Era até recomendado para quando se pudesse decidir que a vida não tinha mais o porquê de ser vivida. Os estóicos suportavam as adversidades com calma e dignidade, mas também acreditavam que as circunstâncias da vida de um homem podia se degradar a tal ponto (seja devido a uma tragédia pessoal, à ruína e a subseqüente miséria, seja devido a uma doença dolorosa e terminal), que um suicídio indolor se tornava a coisa mais racional a fazer. Há nesse tipo de argumentação um paralelo óbvio com a questão da eutanásia, que ganhou novos aspectos etimológicos à medida que a tecnologia foi avançando.
A concepção de eutanásia, que geralmente era tolerada ou incentivada pelos antigos, por diversos motivos como alívio da dor e até mesmo em nome da honra, vai mudando com o tempo e coincide com o avanço do cristianismo no Ocidente e a questão da sacralização da vida volta a ganhar destaque nesse contexto. Em geral, não há sentido simplesmente em manter uma pessoa cuja morte é certa e a dor agonizante, viva. O paradigma que estamos vivendo em relação ao direito à vida remonta a questão cristã do caráter sagrado da vida humana, donde uma vida que, segundo essa doutrina, é dada por Deus, deverá ser mantida custe o que custar, ou seja, até suas últimas conseqüências. Acontece que os novos métodos de preservação da vida em determinados casos terminais faz necessário o questionamento destes dogmas religiosos, em prol do alívio do sofrimento daqueles que, amiúde, nem sequer têm o direito de escolher entre a dor e a morte. As novas tecnologias nos apresentam novos questionamentos a respeito de ética e moralidade – e é aí que se encaixa a Ética Prática com todo o seu arsenal filosófico que privilegia o pragmatismo da aplicabilidade do pensar filosófico e do pensamento lógico em prol da vida, contudo não de forma cega e a todo custo, mas “vida” até o momento em que haja sentido para que se denomine enquanto tal.
No Brasil, a lei sobre esta questão se manifesta e encara como homicídio a eutanásia, o ato deliberado de apressar o fim de quem está morrendo. Nesse jogo entre o alívio da dor e a “tortura”, a ortotanásia, “a morte no momento certo”, é considerada omissão de socorro e tem pena de um a seis meses de prisão. Apesar disso, a ortotanásia é freqüentemente praticada. O médico retira os aparelhos e deixa o doente seguir o seu curso de morte. Trata-se do modo mais comum de morrer nas UTI’s pediátricas do Brasil, como verificado em dois estudos publicados em março de 2005 pela Revista Brasileira de Pediatria, sobre 167 casos ocorridos em 2002 nas principais UTI’s pediátricas do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais. Estes estudos mostram que pelo menos 36% das crianças morreram após a “limitação do suporte de vida”, expressão que reúne decisões como não entubar, não reanimar e até tirar o suporte vital.
O estudo observou que pelo menos 30% desses casos são omitidos ou reportados contraditoriamente nos hospitais. Mas há quem veja na própria legislação fundamentos para apressar a morte quando o tratamento só prolonga o sofrimento. O 1º artigo da Constituição assegura a dignidade da pessoa humana, e esse direito deveria ser estendido até os últimos momentos – é o que alega, por exemplo, Lívia Pithan, professora de Direito da USP.
Hoje em dia é que o termo “eutanásia” é utilizado para referir-se à morte daqueles que estão com doenças incuráveis e sofrem de angústia e dores insuportáveis. É uma ação praticada em benefício dos doentes e tem por finalidade poupar-lhes a continuidade da dor e do sofrimento. Singer inclui, porém, pessoas sem capacidade de decisão, onde a medicina aponta para uma vida de dor e privações caso estendida. Há três tipos de eutanásia. Ei-los:
- Eutanásia voluntária;
- Eutanásia involuntária;
- Eutanásia não-voluntária.
A eutanásia voluntária é quando o próprio paciente em questão tem ainda condições de pedir pela própria morte. A maior parte dos grupos que brigam por mudanças legais em relação à eutanásia referem-se à esse método¹.
Na eutanásia involuntária, a pessoa morta tem condições de consentir com a própria morte, mas não o faz, tanto por que não lhe perguntaram se quer morrer quanto por que lhe perguntaram, e ela quer continuar vivendo. Há uma diferença entre matar alguém que prefere continuar vivo e matar alguém que não consentiu ser morto, mas que, se perguntado, teria dado o seu consentimento.¹
Matar alguém que não consentiu ser morto só pode ser apropriadamente visto como eutanásia quando o motivo da morte é o desejo de impedir um sofrimento intolerável da pessoa morta. Os casos autênticos de eutanásia involuntária são os menos comuns, todavia.
Essas definições abrem espaço para um terceiro tipo de eutanásia. Se um ser humano não é capaz de compreender a escolha entre a vida e a morte, a eutanásia não seria nem voluntária nem involuntária, mas não-voluntária. Dentre os incapazes de dar o seu consentimento estariam incluídos os bebês que sofrem de doenças incuráveis ou com graves deficiências e as pessoas que, por motivo de acidente, doença ou velhice, já perderam para sempre a capacidade de compreender o problema em questão, sem que tenham previamente solicitado ou recusado a eutanásia nessas circunstâncias.¹
Superficialmente, o direito de morrer se basearia no princípio de autonomia, onde toda pessoa tem o direito de tomar decisões acerca da própria vida. A publicação filosófica “Ciência & Vida – Filosofia”, nº 38, cuja capa estampa “Eutanásia” em destaque, cita que “para Nietzsche, não é desmedido dizer que a vida, ela mesma, que, vencida, se reduz à sobrevivência, quando não suporta a doença nem tolera a dor”. A mesma publicação ainda cita que, “no Brasil, a eutanásia é considerada uma forma de homicídio. A lei não faz qualquer referência a ela, mas a prática é julgada de acordo com o artigo 121 do Código Penal, que pune crimes de homicídio com penas de 6 a 20 anos de reclusão. Há projetos tramitando no Congresso para mudar tal situação. Um deles faz parte da própria reforma do Código Penal. Parte do anteprojeto que está sendo elaborado para dar lugar à legislação penal atual prevê a alteração de dispositivos do Código Penal, legislando sobre a eutanásia em dois itens do artigo 121. No parágrafo 3º, buscando reduzir a pena de reclusão, caso o autor do crime tenha agido por compaixão e a pedido da vítima. No 4º, tentando descriminalizar o ato de deixar de manter a vida de alguém por meios artificiais, caso a morte tenha sido atestada como iminente e inevitável, desde que solicitado pelo paciente ou parentes próximos”.

¹ SINGER, Peter. Ética Prática. São Paulo: Martins Fontes, 2006.