sexta-feira, 29 de junho de 2012

Separando o joio do trigo: dogma e razão

Já ouviram falar de algum crente que seja "cabeça aberta", "diferente", ou simplesmente que não é "fanático"? Ora, e o que seria o fanático senão o religioso que simplesmente aceita aquilo que está escrito em seu manual da vida, seja ele qual for? O dito "fanático" nada mais é do que o religioso que coloca em prática - e na mente - os supostos ensinamentos de seu deus. Alguém duvida que aqueles islâmicos assassinos do World Trade Center sejam homens de muita fé? A alcunha de "loucos" só serve pra disfarçar o óbvio. De loucos, não tinham nada. Eram devotos. Mas compraram a fé e pagaram o preço.

É claro que, especialmente no Ocidente, se alguém colocar em prática os "ensinamentos" bíblicos de sacrifício, escravidão e opressão à mulher, por exemplo, vai preso no mesmo dia. E aí, criaram a Teologia, uma pseudo-ciência que contorce a Bíblia no sentido de torná-la mais digerível, colocando interpretações mil e tentando mascarar o que está lá, muito cru. A Teologia é a própria manipulação da palavra na tentativa de manter o divino sem ter que aceitar que tudo aquilo só não parece ainda mais intragável, primitivo e absurdo por nos acostumarmos aos seus mitos desde a nossa mais tenra infância. É inconcebível que algum ramo que pretenda-se ciência possa partir de pressupostos. E me refiro a algo básico mesmo, conceitual.

Quando ouvimos alguém mencionar que há "crentes de cabeça aberta" ou até mesmo "não-praticantes", o que na verdade me vem à mente é só um rótulo onde se lê "evangélico", de conteúdo vazio. Os evangélicos de fato, propagam a desigualdade que está presente em seu manualzinho da vida, vulgo bíblia - e se apoiam nessas mitologias primitivas pra propagar esse tipo de insanidade, já que só mesmo através da fé e da ordem divina é possível defender esses tipos de atrocidade. O que aconteceria ao homem que pretendesse ter o outro como propriedade de si, se não fosse por ordem de um deus? E isto vale tanto para a escravidão como a dominação de gênero.

Com tantas atrocidades em seus manuais, quem são mesmo os radicais: os crentes ou os seculares? No fundo, qualquer minoria é comumente taxada de "radical". Esta palavra hoje é, de fato, quase um sinônimo de "integrante de uma minoria". Estado laico significa, literalmente, sem religião. Confundir essa premissa com ateísmo, como querem os que são contra a causa dos ateus que lutam por seus direitos de liberdade, respeito e dignidade (já ouviu o clichê "estado laico não é estado ateu"? Pois é) só causa confusão e afasta da realidade. Qualquer apologia de qualquer tipo de dogma deveria ser proibida pelo próprio estado. Eu sou ateu, mas acho que um "Estado Ateu" seria tão absurdo quanto um estado teocrático qualquer, já que esse tipo de postura a respeito do sobrenatural deve ser ignorado pelo estado, ao invés de ser oficializado de alguma forma. No fim das contas, o ateu simplesmente ignora a religião, no limite de que a religião não se contraponha a direitos básicos fundamentais - e aí é que o problema começa, já que todas as religiões querem impor verdades em detrimento do conhecimento racional. 

Não há Ética em manuais prontos e acabados. Temos, no máximo, um código moral e que, por ser imóvel, não pode ser considerado Ética, esta que é uma área abordada pelo conhecimento racional da Filosofia, que, ao contrário, é fluida. O máximo que pode-se alcançar no dogma é algo rígido e imune à crítica e à evolução de seus preceitos. É impossível conciliar dogma e princípio da razão por questões básicas conceituais. É o mesmo grande problema da Filosofia Medieval, que parte de pressupostos e aniquila a crítica desde sua origem.

É perigoso cairmos na relativização de tudo, e é também amiúde a saída dos crentes e inimigos da razão em geral: nivelar todo tipo de conhecimento e argumentação de uma só maneira, em nome de uma falsa tolerância. Mas não é possível, devido a simples contradições, como um composto bifásico. O preto nunca será branco e o óleo não se mistura n'água. O que legitima o princípio da razão é a origem de tal conhecimento (que se OPÕE justamente ao dogma), e pelo fato do conhecimento racional e/ou científico ser, necessariamente, REVISIONISTA, ele jamais pode ser considerado dogmático salvo caso de muita ingenuidade. Algo que não parte de pressupostos e que busca legitimar-se através de evidências jamais poderá estar lado a lado com quaisquer tipos de dogmas, que devem ser, efetiva e justificadamente, combatidos. A tolerância precisa ser praticada, com amor e respeito, sempre. Mas quando estamos falando de idéias, precisamos nos manter ao lado da imparcialidade e do "amor à sabedoria". E, quando há respeito mútuo, a verdade tende a sobressair-se com o tempo.

Três pontos devem ser reforçados em relação às colocações acima, devido ao repeteco dos que se opõem ao conhecimento racional, utilizando-se da insistência em pontos já superados de suas falácias, como se já não tivessem sido eficientemente combatidas:
1. Não é verdade que a o princípio da razão parta de pressupostos e seja revisionista ao mesmo tempo, é uma contradição óbvia. 2. É comum hoje em dia, em nome de uma falsa tolerância, admitir-se que todos os pontos de vista têm igual valia, mas isto simplesmente não faz o menor sentido quando minimamente questionado. 3. Nem a razão e muito menos o conhecimento científico são infalíveis - e nem pretendem ser - mas a origem de seus resultados os legitimam como conhecimentos mais confiáveis que qualquer tipo de dogma, fazendo que os dois primeiros sejam completamente opostos ao último. 

Um dos maiores desafios da Filosofia do nosso tempo é continuar pensando a Ética de maneira isenta, sem a interferência de sistemas fechados, prontos e acabados - como querem os dogmáticos.  Algo "elaborado" jamais poderá equiparar-se a algo desenvolvido na base da criatividade, metafísicas hipotéticas que só se sutentam em fantasias e imaginação. É justo que elas tenham sido criadas num mundo em que a humanidade não tinha condição de entender e explicar o mundo. Uma vez desenvolvida a Filosofia e, posteriormente, a metodologia científica, não há sentido e necessidade em insistirmos em não compreender a existência das coisas através de evidências. Não precisamos mais dos conhecimentos mitológicos, eles já cumpriram o seu papel. A credibidade dos conhecimentos filosófico e científico se dão justamente por não dependerem dos dogmas em geral.

O que diferencia a credibilidade dos conhecimentos 'verdadeiros' da força absolutista dos dogmas é justamente a origem dos mesmos. A condição a que se chega nos resultados faz toda a diferença. Isso é algo factual, e reconhecer essa obviedade é importante para não cairmos na areia movediça da relativização de absolutamente tudo, tornando qualquer absurdo acrítico - como violência física contra as minorias, por exemplo - defensável.

Aceitar a morte, ao invés de temê-la, é amadurecer. Discordo, como querem alguns, que a escolha seja entre uma mentira confortante e uma verdade que incomoda. Penso que a consciência da finitude pode trazer mais qualidade de vida.

 


Pessoa de bem?

Infelizmente, a religião e seus rituais são utilizados, em geral, só para o alívio da consciência de quem crê. O ego dos crentes fala mais alto do que o mundo que agoniza ao seu redor. E, no fim das contas, tudo se justifica pela fé, ainda que para olhos neutros pareça absurdo.