domingo, 23 de junho de 2013

O discurso dos sonhos da presidente após os protestos



Ao final do discurso da presidente Dilma, o sentimento em mim e em milhares (milhões?) de pessoas era de frustração. Depois de tanta revolta no país inteiro e até no exterior, com pessoas mostrando sua profunda insatisfação pela maneira como a política é conduzida no Brasil, a presidente desperdiçou uma excelente oportunidade de ter o povo ao seu lado, acalmar as manifestações e encaminhar o país a mudanças reais, efetivas. Era a oportunidade ideal para abrir mão do jogo político parasita que tanto assola nosso Estado, com negociações de cargos e todo tipo de prática infrutífera em nome do poder. Ao invés de tentar apenas colocar panos quentes nas manifestações, além de uma retórica completamente vazia, poderia ter anunciado mudanças drásticas na maneira de se fazer política no Brasil.

Fiquei imaginando, então, como seria o "discurso dos sonhos", aquele que faria com que muitos se sentissem agraciados e confortados com o sentimento real de que "agora vai!" ao invés de ouvir tanto "blá blá blá" de retórica vazia, que gerou tanta frustração naqueles que tinham algum senso crítico e expectativa de que, através dos protestos, o script pudesse ser diferente. Não sei quem redigiu o discurso da presidente, se ela própria ou sua assessoria, pois a câmera da Record flagrou um trecho da reunião marcada para discutir as manifestações em que a presidente sequer estava presente. Mas como seria o discurso dos sonhos? Vamos lá... Em itálico, o discurso oficial. Em negrito, o discurso dos sonhos.

"Todos nós, brasileiras e brasileiros, estamos acompanhando, com muita atenção, as manifestações que ocorrem no país. Elas mostram a força de nossa democracia e o desejo da juventude de fazer o Brasil avançar."

Esse trecho não careceria de modificação, é apenas introdutório. O único erro é que considera que apenas a "juventude" deseja ardentemente por mudanças, mas vamos lá...

"Se aproveitarmos bem o impulso desta nova energia política, poderemos fazer, melhor e mais rápido, muita coisa que o Brasil ainda não conseguiu realizar por causa de limitações políticas e econômicas. Mas, se deixarmos que a violência nos faça perder o rumo, estaremos não apenas desperdiçando uma grande oportunidade histórica, como também correndo o risco de colocar muita coisa a perder."

"Gostaria de agradecer ao povo que está indignado, seja em casa ou os milhões que foram às ruas do Brasil. Essa é a oportunidade ideal para que eu, como presidente, possa pressionar meus colegas para algumas mudanças, bem como tomar as decisões necessárias que cabem tão-somente à mim, como por exemplo a imediata suspensão do bolsa-copa dos meus ministros, para provar e mostrar a vocês que meu compromisso com a seriedade no gasto público, a partir de agora, é real. Suas vozes foram ouvidas"

"Como presidenta, eu tenho a obrigação tanto de ouvir a voz das ruas, como dialogar com todos os segmentos, mas tudo dentro dos primados da lei e da ordem, indispensáveis para a democracia.
O Brasil lutou muito para se tornar um país democrático. E também está lutando muito para se tornar um país mais justo. Não foi fácil chegar onde chegamos, como também não é fácil chegar onde desejam muitos dos que foram às ruas. Só tornaremos isso realidade se fortalecermos a democracia – o poder cidadão e os poderes da República. Os manifestantes têm o direito e a liberdade de questionar e criticar tudo, de propor e exigir mudanças, de lutar por mais qualidade de vida, de defender com paixão suas ideias e propostas, mas precisam fazer isso de forma pacífica e ordeira."

"Como presidente, eu tenho a obrigação tanto de ouvir a voz das ruas, como dialogar com todos os segmentos, mas tudo dentro dos primados da lei e da ordem, indispensáveis para a democracia.
O Brasil lutou muito para se tornar um país democrático. E também está lutando muito para se tornar um país mais justo. Não foi fácil chegar onde chegamos, porém o movimento das ruas tornará mais fácil nosso objetivo em comum, a partir de já, que é a reforma política. Os vereadores, que em suas cidades aumentam seus próprios salários sucessivamente, saberão que não há mais uma população passiva que a tudo aceita. Ela acordou e vai exigir dos governantes a moralidade e a seriedade que lhes cabe nos cargos que ostentam. Peço perdão àqueles manifestantes que foram às ruas em paz e foram recebidos por uma polícia, em alguns casos, truculenta e mal preparada para lidar com manifestações sociais. Vamos conversar com todos os responsáveis pela segurança nos Estados para que possamos ter policiais capacitados e treinados para servir à população"
 
"O governo e a sociedade não podem aceitar que uma minoria violenta e autoritária destrua o patrimônio público e privado, ataque templos, incendeie carros, apedreje ônibus e tente levar o caos aos nossos principais centros urbanos. Essa violência, promovida por uma pequena minoria, não pode manchar um movimento pacífico e democrático. Não podemos conviver com essa violência que envergonha o Brasil. Todas as instituições e os órgãos da Segurança Pública têm o dever de coibir, dentro dos limites da lei, toda forma de violência e vandalismo."

"Mais uma vez: suas vozes foram ouvidas. Posso lhes garantir que a PEC-37 jamais será aprovada por mim e estou aproveitando esse momento histórico do Brasil para fazer uma declaração: exijo, assim como o povo nas ruas, a imediata renúncia ao cargo dos senhores Renan Calheiros, presidente do Senado Federal, Pastor Deputado Marco Feliciano, presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, José Genoíno e João Paulo Cunha, titulares  da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara. Prometo-lhes, inclusive, que não haverá mais troca de favores entre partidos em nome de uma suposta governabilidade, e sei que contarei com o apoio de vocês para isso. Caso os referidos senhores não se afastem de seus cargos, eu que me afastarei, pois não adianta tentar governar num Estado que oprima o cidadão e que a corrupção seja tolerada. Basta. Tenho certeza que vamos, juntos, fazer a pressão necessária para que todos os envolvidos em corrupção larguem seus cargos e vamos mostrar ao mundo a seriedade da nova política brasileira. Vamos apurar todos os casos de corrupção e os mensaleiros serão devidamente punidos"

"Com equilíbrio e serenidade, porém, com firmeza, vamos continuar garantindo o direito e a liberdade de todos. Asseguro a vocês: vamos manter a ordem.
Brasileiras e brasileiros,
As manifestações dessa semana trouxeram importantes lições: as tarifas baixaram e as pautas dos manifestantes ganharam prioridade nacional. Temos que aproveitar o vigor destas manifestações para produzir mais mudanças, mudanças que beneficiem o conjunto da população brasileira.
A minha geração lutou muito para que a voz das ruas fosse ouvida. Muitos foram perseguidos, torturados e morreram por isso. A voz das ruas precisa ser ouvida e respeitada, e ela não pode ser confundida com o barulho e a truculência de alguns arruaceiros. Sou a presidenta de todos os brasileiros, dos que se manifestam e dos que não se manifestam. A mensagem direta das ruas é pacífica e democrática. Ela reivindica um combate sistemático à corrupção e ao desvio de recursos públicos. Todos me conhecem. Disso eu não abro mão."

"Brasileiras e brasileiros, estou orgulhosa de vocês. A imensa maioria de vocês, que protestaram pacificamente, tem todas as razões para pedir moralidade no nosso modo de fazer política. Algumas conquistas já são evidentes, como a diminuição dos preços das passagens por todo o país. Mas isso ainda não é tudo. Há muito a ser conquistado. Assim como pedem as reivindicações, vou me reunir com todos os líderes do meu partido para que possamos transformar a corrupção em crime hediondo e o fim do foro privilegiado, até por que o mesmo é um ultraje ao artigo quinto de nossa Constituição. Nenhum desvio público será mais tolerado. Vamos investigar os indícios de superfaturamento nas obras da Copa do Mundo e, para isso, vou conversar com meu partido e a base aliada para a formação de uma CPI. Continuem cobrando, pois a força está com vocês. Não permitam mais que corruptos permaneçam impunes. Não queremos mais uma nação de privilégios, vamos valorizar sempre a igual consideração a todos os cidadãos, seja ele presidente do Senado ou motorista de ônibus."

"Sou a presidenta de todos os brasileiros, dos que se manifestam e dos que não se manifestam. A mensagem direta das ruas é pacífica e democrática. Ela reivindica um combate sistemático à corrupção e ao desvio de recursos públicos. Todos me conhecem. Disso eu não abro mão. Esta mensagem exige serviços públicos de mais qualidade. Ela quer escolas de qualidade; ela quer atendimento de saúde de qualidade; ela quer um transporte público melhor e a preço justo; ela quer mais segurança. Ela quer mais. E para dar mais, as instituições e os governos devem mudar. Irei conversar, nos próximos dias, com os chefes dos outros poderes para somarmos esforços. Vou convidar os governadores e os prefeitos das principais cidades do país para um grande pacto em torno da melhoria dos serviços públicos."

Perfeito, esse trecho eu não alteraria.

"O foco será: primeiro, a elaboração do Plano Nacional de Mobilidade Urbana, que privilegie o transporte coletivo. Segundo, a destinação de cem por cento dos recursos do petróleo para a educação. Terceiro, trazer de imediato milhares de médicos do exterior para ampliar o atendimento do Sistema Único de Saúde, o SUS."

"O foco será: primeiro, a elaboração do Plano Nacional de Mobilidade Urbana, que privilegie o transporte coletivo. Segundo, a destinação de cem por cento dos recursos do petróleo para a educação. Mas isso só não basta, não podemos ter nosso desenvolvimento dependente exclusivamente do petróleo, por isso anuncio também que teremos a Educação como uma das grandes prioridades, destinando 10% do PIB para este fim, valorizando também cursos técnicos para a qualificação da massa trabalhadora, já que muitas vezes temos empregos disponíveis e pouca mão de obra qualificada para preenchê-los. Terceiro, valorizar mais os profissionais da Saúde e vetar o "ato médico", que limita a atuação de diversos desses profissionais. Qualificando mais e melhor, em conjunto com o investimento maciço em Educação e Ciência, formaremos nossos próprios profissionais e desenvolveremos nossa própria tecnologia, sem ficarmos dependentes de outros países para o nosso real desenvolvimento"

"Anuncio que vou receber os líderes das manifestações pacíficas, os representantes das organizações de jovens, das entidades sindicais, dos movimentos de trabalhadores, das associações populares. Precisamos de suas contribuições, reflexões e experiências, de sua energia e criatividade, de sua aposta no futuro e de sua capacidade de questionar erros do passado e do presente."

Perfeito, não alteraria.

"Brasileiras e brasileiros,
Precisamos oxigenar o nosso sistema político. Encontrar mecanismos que tornem nossas instituições mais transparentes, mais resistentes aos malfeitos e, acima de tudo, mais permeáveis à influência da sociedade. É a cidadania, e não o poder econômico, quem deve ser ouvido em primeiro lugar.
Quero contribuir para a construção de uma ampla e profunda reforma política, que amplie a participação popular. É um equívoco achar que qualquer país possa prescindir de partidos e, sobretudo, do voto popular, base de qualquer processo democrático. Temos de fazer um esforço para que o cidadão tenha mecanismos de controle mais abrangentes sobre os seus representantes."

"Brasileiras e brasileiros,
Precisamos oxigenar o nosso sistema político. Encontrar mecanismos que tornem nossas instituições mais transparentes, mais resistentes aos malfeitos e, acima de tudo, mais permeáveis à influência da sociedade. É a cidadania, e não o poder econômico, quem deve ser ouvido em primeiro lugar. Quero contribuir para a construção de uma ampla e profunda reforma política, que amplie a participação popular. É um absurdo e inaceitável que o custo do Brasil com todos os parlamentares do país seja de mais de 11 bilhões de reais anuais, e se contarmos com todos os privilégios, verbas de gabinete, verbas indenizatórias e benefícios, esse custo ultrapassa os 145 bilhões, valor maior do que nosso atual investimento em Educação e Saúde somados. A reforma política que me empenharei em começar contemplará esse problema, e para isso conto com a pressão de vocês e com a minha base aliada, com a qual vou conversar sistematicamente até conquistarmos nossos objetivos pelo bem da Pátria. Com o dinheiro que economizaremos, poderemos diminuir significativamente a atual carga tributária, que é um ultraje. Hoje um trabalhador trabalha 4 meses do ano apenas para sustentar o Estado, que não lhe retribui com serviços à altura. Com essa reforma política, isso vai mudar"

"Precisamos muito, mas muito mesmo, de formas mais eficazes de combate à corrupção. A Lei de Acesso à Informação, sancionada no meu governo, deve ser ampliada para todos os poderes da República e instâncias federativas. Ela é um poderoso instrumento do cidadão para fiscalizar o uso correto do dinheiro público. Aliás, a melhor forma de combater a corrupção é com transparência e rigor."

Sem modificações.

"Em relação à Copa, quero esclarecer que o dinheiro do governo federal, gasto com as arenas é fruto de financiamento que será devidamente pago pelas empresas e os governos que estão explorando estes estádios. Jamais permitiria que esses recursos saíssem do orçamento público federal, prejudicando setores prioritários como a Saúde e a Educação. Na realidade, nós ampliamos bastante os gastos com Saúde e Educação, e vamos ampliar cada vez mais. Confio que o Congresso Nacional aprovará o projeto que apresentei para que todos os royalties do petróleo sejam gastos exclusivamente com a Educação."

"Em relação à Copa, confesso que erramos ao despejar tanto dinheiro público nas obras, como por exemplo no Estádio do Corinthians, em São Paulo. Contudo, o investimento não foi só do Estado e, além do mais, é um caminho sem volta: os estádios já estão prontos ou quase prontos, e não faria sentido o país, a essa altura, abdicar de tudo que já foi feito até aqui. Contudo, asseguro-lhes: vou pressionar, junto ao meu partido, para que haja uma investigação rigorosa sobre supostos superfaturamentos em algumas obras, pois é um dinheiro que deveria ser investido em Saúde e Educação, que a partir de agora, serão prioridades. Confio que o Congresso Nacional aprovará o projeto que apresentei para que todos os royalties do petróleo sejam gastos exclusivamente com a Educação, além de fazer a parte do Governo Federal, destinando, assim como já mencionei, 10% do nosso PIB a esta causa. Esta já é, de longe, a Copa mais cara da História e não é justo que o Brasil tenha esse ônus e que não tenha direito a pelo menos 25% do lucro da FIFA, que planeja levar 100% dos aproximadamente 4 bilhões de reais que deve ter de lucro com a Copa no Brasil. Nosso representante para a Copa, Aldo Rebelo, já foi notificado por mim para que comecemos as nossas negociações com a FIFA a esse respeito. Ao contrário do que tem sido dito nas redes sociais, o Brasil é um país soberano e não pode ser subjugado por uma organização esportiva. Quem manda no nosso país somos nós."

 
"Não posso deixar de mencionar um tema muito importante, que tem a ver com a nossa alma e o nosso jeito de ser. O Brasil, único país que participou de todas as Copas, cinco vezes campeão mundial, sempre foi muito bem recebido em toda parte. Precisamos dar aos nossos povos irmãos a mesma acolhida generosa que recebemos deles. Respeito, carinho e alegria, é assim que devemos tratar os nossos hóspedes. O futebol e o esporte são símbolos de paz e convivência pacífica entre os povos. O Brasil merece e vai fazer uma grande Copa.
Minhas amigas e meus amigos,
Eu quero repetir que o meu governo está ouvindo as vozes democráticas que pedem mudança. Eu quero dizer a vocês que foram pacificamente às ruas: eu estou ouvindo vocês! E não vou transigir com a violência e a arruaça.
Será sempre em paz, com liberdade e democracia que vamos continuar construindo juntos este nosso grande país.
Boa noite!"

Sem alterações. Sejamos francos: se tivesse sido essa a declaração da presidente e se de fato a presidência estivesse comprometida com as mudanças prometidas nos discursos, será que as pessoas voltariam às ruas? Não é tão difícil assim, não se falou nenhum absurdo nesse discurso hipotético. O problema é que o discurso vazio e retórico só contribui para que nos sintamos ainda mais frustrados em relação a uma perspectiva real de melhora na política de nosso país...

Fonte do pronunciamento: http://www2.planalto.gov.br/imprensa/discursos/pronunciamento-da-presidenta-da-republica-dilma-rousseff-em-cadeia-nacional-de-radio-e-tv