* Por Ângelo Monteiro, filósofo, poeta e ensaísta pernambucano.
Como
a ninguém é possível escapar às injunções do tempo, muitos preferem
mascará-lo, quer pelas diversas técnicas de remoçamento, quer por meio
de renovadas operações plásticas: já que é menos difícil conviver com um
tempo mascarado do que com a fisionomia que ele vai assumindo a cada
momento, ao longo de sua marcha entre os homens e as coisas. Embora
disponhamos da memória para preservar a presença de tudo o que amamos,
ou que supomos ter possuído um dia, nunca nos abandona a ilusão de
afastá-lo para além de nós, sobretudo quando a juventude ensaia seus
primeiros sinais de despedida.
O mesmo tempo que nos permite
alcançar as metas almejadas, aponta para os limites daquilo que nos
chegou às mãos. Nas diferentes ocasiões em que tentamos medi-lo - antes
com legendárias ampulhetas, hoje com sofisticados relógios - nos
recusamos a compreender que dele, e apenas dele, depende a medida do que
lateja de vitalidade, ou adquire uma forma inanimada neste mundo. Por
mais que busquemos capturá-lo, ele com frequência nos surpreende, sem
nos darmos conta de que estamos permanentemente sujeitos aos seus
caprichos ou entregues à sua completa disposição.
A dialética
entre o homem e o tempo, ao conferir um sentido à história humana, não
consegue nos dar acesso jamais a essa outra dialética que não cessa de
nos assediar e perseguir, dentro e fora das fronteiras individuais, no
sempre recomeçado jogo do eterno com o passageiro. As mudanças costumam
chegar abruptamente, antes dos acontecimentos cumprirem seu necessário
curso, e, outras vezes, aquilo que estava a caminho toma um rumo
totalmente contrário à sua própria direção.
E como toda
memória se mantém unicamente no nicho da cultura, convertemos a
existência da escrita em registro não só das nossas mãos mas dos nossos
passos. Por isso, ao lado das interrogações insubornáveis sobre a vida e
sobre a morte, pertencentes ao filosofar, e da conjuração das potências
do sagrado, e suscitada pela necessidade do religar-se ao divino, não
podemos nos desvencilhar - enquanto traço de união das demais artes - do
apelo que nos fazem, originariamente, as escrituras sagradas ao lado
das profanas. Pois escrever é a forma talvez mais poderosa de resistir
ao tempo: e em face dos enigmas continuamente propostos pela realidade,
até agora não conhecemos outra depois da oração.
Publicado no Jornal do Commercio no dia 21/05/13.