segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Condições de igualdade

Nas últimas décadas, o mundo tem sido palco de mudanças drásticas das atitudes morais. A maior parte delas ainda é polêmica, como o aborto, proibido quase no mundo todo há trinta anos, é legalizado hoje na maior parte do globo. E outras atitudes morais em relação à postura das pessoas diante do sexo fora do casamento, homossexualidade, pornografia, eutanásia e até o suicídio. Por maior que tenham sido as mudanças, não é possível afirmar que se chegou a nenhum novo consenso: “(...) [tais] questões continuam sendo polêmicas, e é possível defender cada uma das partes sem pôr em risco a nossa posição intelectual ou social.”¹
Contudo com a questão da igualdade passou-se algo diferente. Houve uma perceptível mudança em relação da igualdade – especialmente no que tange ao racismo – e ninguém hoje pode declarar-se contra a máxima de que todos são iguais sem sofrer danosas conseqüências das mais diversas, seja na vida pública ou na privada. As idéias racistas que dominavam a Europa na virada do século retrasado para o século passado hoje seriam inaceitáveis. Mas em que sentido nós somos iguais?
Se formos além do consenso de que as formas notórias de discriminação racial são condenáveis, o fato é que nós não somos iguais: uns são mais baixos, outros mais altos, alguns mostram excelente aptidão para música, já outros preferem matemática, e assim por diante. John Rawls² tentou estabelecer racionalmente uma base para a condição de igualdade, a qual ele chamou “propriedade de âmbito”. A propriedade de âmbito alega que a igualdade pode basear-se nas características fundamentais dos seres humanos. Vamos supor que tracemos um círculo num pedaço de papel. Todos os pontos no interior do círculo – é esse o “âmbito” – têm a propriedade de estar dentro do círculo, e todos têm igualmente essa propriedade. Alguns pontos podem estar mais próximos do centro do círculo, outros na periferia, mas todos estão igualmente dentro do círculo. Essa diferença justificaria as distintas características dos indivíduos. Dessa forma, Rawls identifica a “personalidade moral” como inerente a todo e qualquer ser humano, e todos possuem-na igualmente. Ele utiliza o termo “moral” em contraste com “amoral” e não uma personalidade necessariamente moralmente boa. Essa personalidade moral, diz Rawls, gera um senso de justiça.
Segundo Singer¹,

“Rawls afirma que a personalidade moral constitui a base da igualdade humana, um ponto de vista que provém de sua abordagem ‘contratual’ da justiça. A tradição do contrato vê a ética como uma espécie de acordo mutuamente benéfico – grosso modo, algo como ‘Não me agrida para não ser agredido’. Portanto, só estão dentro da esfera ética aqueles que são capazes de compreender o fato de não estarem sendo agredidos e de, conseqüentemente, refrear a sua própria agressividade”.

Contudo, há diversos problemas em relação ao uso da personalidade moral como condição básica da igualdade; concentrar-me-ei nas mais significativas. Uma das objeções é que a personalidade moral incute uma questão de grau, isto é, enquanto algumas pessoas são extremamente sensíveis às questões de justiça e ética, outras têm somente uma consciência limitada de tais princípios; e alguns são simplesmente mais inteligentes que outros. A questão como proposta por Rawls não delimita esta fronteira, e é incapaz de explicar este problema. Não há no argumento da personalidade moral algo que delimite esse mínimo. Conseqüentemente, não é intuitivamente óbvio pois, sendo a personalidade moral tão importante, não deveríamos ter graus de status moral, com diferentes direitos e deveres, relacionados proporcionalmente ao grau de refinamento do senso de justiça de cada um.
Contudo, o que deixa ainda mais frágil o pensamento de John Rawls a respeito da igualdade, é de que é simplesmente inverdade que todos os seres humanos são pessoas morais, ainda que no sentido mais ínfimo da palavra. Podemos exemplificar os casos de deficientes mentais profundos ou bebês e crianças, que carecem do necessário senso de justiça. E nossa noção de igualdade jamais exclui bebês, crianças e deficientes mentais. Portanto, precisamos nos atentar para outros fatores que possam delinear racionalmente as condições mais básicas de igualdade.
A questão da inteligência também não pode ser considerada como um atributo para a igualdade – já que ela difere de um indivíduo para outro – ou argumento para a desigualdade, já que uma sociedade baseada numa hierarquia escravagista por intermédio de testes de QQII seria extremamente condenável. Se não podemos basear nossas condições de igualdade na raça, na propriedade de âmbito ou na inteligência, quais seriam os alicerces da igualdade?
Peter Singer considera que, para conseguirmos uma condição de igualdade necessária, precisamos considerar atributos relevantes. A única razão logicamente imperiosa para considerarmos outro indivíduo é quando consideramos seus interesses. Para Singer, “a igualdade é um princípio ético básico, e não uma assertiva factual.”¹ E isso, finalmente, nos proporciona um princípio ético básico: a igual consideração dos interesses.
Só o igual consideração de interesses é capaz de mostrar racionalmente que são equivocadas quaisquer formas de discriminação, tais como o sexismo ou o racismo: os nazistas, por exemplo, só estavam preocupados com o bem-estar de sua suposta raça “ariana”, ignorando por completo os interesses dos judeus, dos ciganos e dos eslavos.
O princípio da igual consideração de interesses não é puramente formal, é substancial e forte, pois é capaz de excluir o racismo e o sexismo. Além disso, “(...) se examinarmos o impacto do princípio (...) [numa] sociedade hierárquica imaginária baseada em testes de inteligência, poderemos ver que ele é forte o bastante para proporcionar uma base que permita rejeitar também essa forma mais sofisticada de não-igualitarismo.”¹
Os interesses naturais mais fundamentais dos indivíduos estão relacionados com o bem-estar, como não sentir dor. Isso nos dá um referente biológico, que é o sistema nervoso central, que também relaciona-se com a aquisição do prazer. Fatores como a auto-preservação, consciência de si e capacidade de relacionar-se com outros indivíduos também são relevantes. Uma vez aceito esse princípio básico, é eticamente prudente que extendamos este princípio a todos os indivíduos que são dotados dos mesmos interesses, independentemente da espécie.





¹ SINGER, Peter. Ética Prática. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
² RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. São Paulo: Martins, 2008.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Polêmica: em busca do Cristo histórico


Como nós reagiríamos se descobríssemos que Jesus é, factualmente, um mito? Teria sido esse suposto mito patrocinado, oficializado e difundido pela Roma Antiga para reunificar e reestabelecer a ordem num Império em crise? E se existiu algum Jesus, será que é o mesmo relatado na Bíblia, tal e qual? Já andei vasculhando bastante alguma literatura imparcial sobre o Cristo histórico. Encontrei algumas coisas, mas nenhuma publicação relevante em português. Algumas das minhas fontes indicam que o próprio Vaticano, até hoje, não consegue comprovar a existência histórica do Cristo, já que não há historiadores da época de Cristo que tenham mencionado o próprio, mesmo com uma vasta gama de literatura e pesquisadores à época, o que possibilitou a construção da Biblioteca maravilhosa de Alexandria. Ao que parece, Jesus era um nome comum à época do Cristo bíblico, mas o próprio Cristo, como o conhecemos na Bíblia, até onde eu cheguei, permanece uma incógnita. Mesmo Sócrates, que não deixou nada escrito de próprio punho, bem anterior a Jesus, foi documentado por diversos contemporâneos e sucessores, além de algumas evidências físicas (como o local em que ficou encarcerado, por exemplo, que é hoje alvo de visitação turística na Grécia). Na década de 70, encontraram um pergaminho no Oriente Médio que talvez, segundo o Vaticano, tivesse sido "a primeira prova sobre o Jesus histórico", mas que não resistiu a uma investigação mais aprofundada. Sou naturalmente curioso, e não resisto quando percebo que algo não está muito claro. Não creio que seja possível chegar a uma conclusão pertinente com uma pesquisa superficial, já que um assunto tão polêmico certamente deveria nos trazer maiores investigações pelos historiadores, e pelo que percebi, o material a respeito ainda não é muito vasto. Contudo, nada é conclusivo. Será que o mito é tão forte que impele as pessoas de buscar a fundo as suas origens? Encontrei reunidos alguns mitos fundadores do cristianismo, que ajudam a nos alimentar o senso investigativo. Ei-los:
 

HÓRUS 3.000 a.C.
Deus egípcio do Céu, do Sol e da Lua.
Nasceu de Isis, de forma milagrosa, sem envolvimento sexual.
Seu nascimento é comemorado em 25 de dezembro.
Ressuscitou um homem de nome EL-AZAR-US.
Um de seus títulos é "Krst" ou "Karast".

MITHRAS séc. I a.C.
Originalmente um deus persa, mas foi adotado pelos romanos e convertido em deus Sol.
Intermediário entre Ormuzd (Deus-Pai) e o homem.
Seu nascimento é comemorado em 25 de dezembro.
Nasceu de forma milagrosa, sem envolvimento sexual.
Pastores vieram adorá-lo, com presentes como ouro e incenso.
Após sua morte, ressuscitou.

BUDA séc. V a.C.
Sua missão de salvador do mundo foi profetizada quando ele ainda era um bebê.
Por volta dos 30 anos inicia sua vida espiritual.
Foi impiedosamente tentado pelas forças do mal enquanto jejuava.
Caminhou sobre as águas (Anguttara Nikaya 3:60).
Ensinava por meio de parábolas, inclusive uma sobre um filho pródigo.
A partir de um pão alimentou 500 discípulos, e ainda sobrou (Jataka).
Transfigurou-se em frente aos discípulos, com luz saindo de seu corpo.
Após sua morte, ressuscitou. (apenas na tradição chinesa)

BACO / DIONÍSIO séc. II a.C.
Deus grego do vinho
Nascido da virgem Sémele (que foi fecundada por Zeus)
Quando criança, quiseram matá-lo.
Fez muitos milagres, como a transformação da água em vinho e a multiplicação dos peixes.
Após a morte, ressuscitou;
Era chamado de “Filho pródigo [sic] de Zeus"

HÉRCULES séc. II a.C.
Nascido da virgem Alcmena, que foi fecundada por Zeus (o Deus tarado deflorador)
Seu nascimento é comemorado em 25 de dezembro.
Foi impiedosamente tentado pelas forças do mal.
A causadora de sua morte (sua esposa) se arrepende e se mata enforcada.
Estão presentes no momento de sua morte sua mãe e seu discípulo mais amado (Hylas).
Sua morte é acompanhada por um terremoto e um eclipse do Sol.
Após sua morte, ressuscitou, ascendendo aos céus.

KRISHNA 3.228 a.C., então, nem se fala...
Krishna é um mito ainda mais antigo, cerca de 2000 anos anterior a Cristo. Trata-se de um avatar do Deus Vishnu – um avatar é como se fosse a personificação ou encarnação de um deus... sugestivo, não? Vejamos:

“Krishna nasceu da Virgem Devaki (“Divina”)
É chamado o “Pastor-Deus”.
É a segunda pessoa da trindade.
Foi perseguido por um tirano que requisitou o massacre dos milhares dos infantes.
Trabalhava milagres e maravilhas.
Em algumas tradições morreu em uma árvore.
Subiu aos céus”
Notem também o semelhança dos nomes “Krishna” e “Cristo”. Sendo que Krishna é muito anterior a Cristo, o que se supõe?

Esses não são os únicos a apresentar esse espantoso "parentesco biográfico" com Jesus. Adonis (Grécia), Átis (Frígia), Balenho (Celtas), Joel (Germanos); Fo (China); Quetzocoalt (Olmecas, Maias), todos eles nasceram de forma virginal, morreram sacrificados, seu sangue "purifica" e abençoa, ressuscitaram, e sua herança é o amor incondicional ao Criador de todas as coisas; amor que se manifesta amando as criaturas. Algumas destas lendas podem ter sofrido influência direta da história de Jesus, já que os cultos coexistiram com o cristianismo primitivo, mas certamente a imensa maioria surgiu antes. Há também muita lenda urbana, de pessoas acrescentando mais similaridades nos deuses antigos por conta própria, como se isso tudo já não fosse o bastante.

Alguns sites / links que abordam o assunto, em português:
http://ceticismo.wordpress.com/2007/02/05/a-maior-farsa-de-todos-os-tempos-jesus-cristo-nunca-existiu/
http://ateus.net/artigos/critica/jesus-cristo-nunca-existiu/
http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20100126044600AAWDvIH
http://www.gotquestions.org/portugues/Jesus-existiu.html
http://pedrodoria.com.br/2007/12/21/em-busca-de-jesus/
http://pt.wikipedia.org/wiki/Arqueologia_b%C3%ADblica#Algumas_descobertas_relevantes
http://ceticismo.net/religiao/a-maior-farsa-de-todos-os-tempos/a-falta-de-evidencia-historica-para-jesus/
http://www.1000questions.net/pt/chroniq/histo_pt.html
http://www.ataliba.eti.br/files/txts/jesus_cristo_nao_existiu_5.pdf
http://www.unineuro.com.br/website/index.php/publicogeral/pagina/d9690a64e1f9b90d37b5659c5c225cf5

http://pt.wikinews.org/wiki/Tribunal_italiano_decidir%C3%A1_se_Jesus_Cristo_existiu
http://quemtembocavaiaroma.livreforum.com/t111-jesus-cristo-existiu
http://embuscadojesushistorico.blogspot.com/
http://jesuspuzzle.humanists.net/ (em inglês) 





Também não tenho respostas. Mas é importante sermos inquietos o bastante para almejá-las.

sábado, 1 de outubro de 2011

Ressaca Moral


Antes da certeza do arrependimento certo
Em tentação na pobre carne que suporta
Tão febril alma a tombar no deserto
Que vaga, perde, sonha, ignora e acorda

Pior que o prazer leviano do momento fútil
É n´outro alvorecer não enxergar o homem
Desfazendo-se toda a ilusão do que seja inútil
Tal aurora em miragem nunca me fez bem!

Iludir-me-ei novamente ao ficar feliz por acabar.
Arriscar-me-ei a vida encontrando-a de volta, com certeza.
Arrepender-me-ei novamente sem mais ter em quê pensar.