sexta-feira, 27 de julho de 2012

Ciência, Metafísica e Religião

Não podemos concluir absolutamente nada sem uma evidência, seja no empirismo ou no racionalismo. Algo que parta de uma mera necessidade de conforto, por exemplo, jamais pode servir como premissa de alguma conclusão válida. O fato é que não há quaisquer indícios pra imaginar uma entidade criadora, especialmente nos nossos dias, cuja prioridade do conhecimento é o entendimento dos fenômenos através da empiria da metodologia científica. A metafísica foi abandonada justamente por não ser capaz de desenvolver conhecimentos palpáveis, que possam ser evidenciados. Não há na contemporaneidade mais qualquer sentido em continuar tentando interpretar o mundo metafisicamente.

Não há provas contra a existência de tudo que podemos imaginar: se eu jurar que existem unicórnios no sub-solo de Marte, alguém jamais vai conseguir provar que eles não existem. Contudo, ninguém em sã consciência pode achar razoável que isso seja real. A única coisa que faz com que uma entidade divina ganhe privilégio em relação a tudo que possamos imaginar, como por exemplo o monstro do espaguete voador, unicórnio rosa invisível, etc., é justamente a necessidade que tinha a humanidade de conhecer e compreender o mundo que se explicitou nos primórdios através das religiões e permanece até hoje, com os mitos atuais; bem como a necessidade de conforto pessoal e de algo que alivie a angústia a priori de se sentir finito e só no mundo. Uma vez, contudo, que já temos condições técnicas de realmente compreender o mundo através do conhecimento verificável, através de evidências que nos permitem tirar conclusões confiáveis, ao contrário dos mitos, não há mais sentido em tentar compreender o mundo metafisicamente - isso já é inclusive um ponto pacífico na Filosofia Contemporânea. A principal diferença entre o conhecimento religioso e o científico é justamente a origem dos mesmos: o científico é empírico, verificável e revisionista e daí vem a sua credibilidade. Assim como o conhecimento filosófico pode ser uma chave para uma compreensão efetiva da coisa-em-si, pois a ciência não abrange suficientemente temas como Ética, Estética e a própria Lógica, que flutua entre a Filosofia e a Ciência. Portanto, os conhecimentos com algum grau de credibilidade e revisionistas que nós temos são justamente o científico e o filosófico, desde que não esteja contaminado pela Metafísica pura, que tem sua importância histórica mas foi substituída pelo conhecimento verificável.
Epistemologicamente, de que maneira tenho condições de utilizar-me da dedução, ainda que do ponto de vista da lógica aristotélica, para extrair conclusões a respeito daquilo que vejo no mundo? Compartilho da posição de Shopenhauer, que ao meu ver é até uma conseqüência das meditações cartesianas. Para "Tio Shopa", o mundo é representação do sujeito. A terra e o sol são representações do sujeito. O mundo circundante somente existe (da forma como o concebo) como representação. Tudo o existe para o conhecimento, isto é, o mundo inteiro, nada mais é do que o objeto, que é uma representação. O mundo é representação nossa e nenhum de nós pode sair de si mesmo para ver as coisas como elas são. Tudo aquilo que temos conhecimento se encontra dentro de nossa consciência. Partindo do princípio que eu só posso "julgar" o mundo a partir da minha própria representação (que pode tornar-se factual através de indução, dedução, interpretação, etc.) tenho como ir formando a minha visão de mundo. E é dessa maneira também que compreendemos a priori vários fenômenos da natureza. A partir do momento em que a origem do meu ponto de vista não é racionalista, mas empirista, é claro que há também uma base histórica para a minha conclusão, afinal, é justamente aquilo que me parece, aquilo que percebi ao meu redor e concluí, a posteriori, através do intelecto. Em Marx, a origem do conhecimento relaciona-se inversamente à alienação que proporciona o ato da fé [de não compreender, não questionar, aceitar e acreditar que isso é uma virtude] e relaciona-o, necessariamente, às relações do Estado. 

Não é minha intenção, aqui nestas linhas, de limitar o conhecimento válido ao empirismo. Talvez isolando algum trecho em que abordei o conhecimento científico e filosófico fosse possível deduzir isso, mas não é verdade quando se observa todo o contexto: eu não descarto os conhecimentos não-empíricos, obviamente, como a Lógica, a Epistemologia, e dentre outros, até mesmo a Ética, que pode ser pensada tanto na empiria quanto no racionalismo. O que eu reitero - e não sou o único, como disse, isso é ponto pacífico na Filosofia Contemporânea - é que a Metafísica não é uma área que continua a ser abordada simplesmente por que não há mais sentido, hoje, em pensar o mundo metafisicamente, já que imaginar algo que jamais vai ser demonstrado é como andar numa esteira. Temos, com o método científico, maneiras mais eficazes de compreender a Natureza e a origem da matéria. De fato, o conhecimento científico é empírico, revisionista e tem credibilidade em relação ao conhecimento religioso justamente por fazer mais sentido. A religião, como nos diz o emblemático cientista Richard Dawins, faz com que 'fiquemos satisfeitos em não compreender o mundo'; e duvidar disso é já não ter fé a priori. Ora, os mitos já fizeram seu papel na história da humanidade, mas hoje não precisamos mais nos apegar desesperadamente a esses princípios que não exploram o potencial humano em desenvolver maneiras mais eficazes de compreender a coisa-em-si. O método científico não é engessado e já foi diversas vezes aprimorado desde o seu princípio no século XIX. A questão é essa: a ciência não tem - e nem pretende ter - todas as verdades do mundo, mas ela se propõe a pesquisá-las. E buscar respostas que façam sentido. 

O que promove o 'conhecimento' religioso, que não sejam medo da morte, busca de conforto, medo do inferno... fé? Concordo que nada deveria existir - por que as coisas existem? Essas questões estão cada vez mais próximas de um entendimento através da racionalidade científica, quando por exemplo nos explica o físico Peter Atkins que a soma de toda a matéria existente tende a zero. A cada novo passo da ciência no entendimento do mundo, perde mais e mais sentido imaginar o mundo metafisicamente e não é por acaso que pesquisas indicam que cada vez mais, menos pessoas se apegam à religião nos países com maiores índices em Educação, como aqui no Canadá, em que várias igrejas foram fechadas e em seus lugares temos museus, bibliotecas e até casas de show. Não há conhecimento válido quando alguma conclusão é engessada em sua origem por pressupostos (Ex.: Deus existe e Jesus é seu porta-voz. De que maneira poderemos ajustar nossos conhecimentos para que não haja contradição com essa verdade? É o que faz a Teologia, a pseudo-ciência de verdades absolutas). 

O abandono da metafísica como 'conhecimento válido' se deu muito gradualmente, após mais de dois mil anos de Filosofia. O desenvolvimento do método científico apenas desligou os aparelhos de uma metafísica que já se encontrava na UTI. O revisionismo está na própria natureza do conhecimento válido: ele não nasce pronto e acabado como a fé, ele é construído. Então até que uma tese científica seja válida ela vai passar por todo um processo de aprimoramento até que vire uma lei ou teoria (não no sentido de hipótese). E aí temos, novamente, razões para entender a credibilidade do princípio da razão e da ciência em detrimento do não-questionamento das coisas (fé). A verdadeira virtude é questionar.


segunda-feira, 23 de julho de 2012

Entrevista (ácida) de Ângelo Monteiro para o Diário de Pernambuco

 
DIARIOdePERNAMBUCO
Publicação: 24/06/2012 03:00
Um homem sem rodeios Ao completar 70 anos, o poeta Ângelo Monteiro revela inconformismo diante da arte contemporânea e da classe média brasileira


      O filósofo e poeta Ângelo Monteiro não cria rodeios para condenar os já sinuosos caminhos da arte contemporânea. Segundo a arguição de Ângelo, detalhada no seu último livro, Arte ou desastre (É Realizações, 262 páginas, R$ 34), os objetos surgidos desta prática (ou do discurso que encobre o seu vazio) são marcados pela perda da individuação. Tais obras de arte não contariam mais com artistas, apenas com celebridades, assim como nenhum texto se distinguiria mais de outro, num cenário em que a anomia teria se tornado generalizada.

    Mas seria possível falar de arte contemporânea evocando um encíclica do papa Bento XVI? Para o alagoano de Penedo é possível, sim, quando o “ecletismo e nivelamento cultural convergem no fato de separar a cultura da natureza humana” (a citação vem do texto Caritas in veritate).

     Professor de filosofia, aposentado da UFPE, onde ingressou em 1976, Ângelo Monteiro é autor, entre éditos e inéditos, de mais de uma dezena de títulos de ensaio e poesia. Nesta conversa com o Diario, comenta seu último livro, critica professores universitários e declara seu amor filosófico pelos cachorros. Nem o repórter nem Monteiro gostam de falar sobre aniversários (que também foi um “gancho” desse encontro em seu apartamento, no Recife).
Entrevista >> Ângelo Monteiro "Você olha para certo tipo de cachorro e vê nele mais filosofia que em muitos colegas da universidade"

Por que a arte se tornou um desastre?
Estamos vivendo o império da antiarte. Em todos os setores. A maior parte do que se faz hoje em arte interessa mais à polícia de costumes do que ao domínio dela na cultura. Como o caso do costarriquenho Habacuc Vargas que, numa exposição, fez de um vira-lata uma instalação perecível. Até a morte do animal. Ou da artista plástica, acho que pernambucana, que fez de sua masturbação pública um ato de criação estética. A arte virou uma mescla delinquente de sua debilidade mental. Dentro desse quadro especial, no Brasil, você verifica que não há lugar para poesia dentro da cultura. Por quê? Se no âmbito internacional, isso ocorre, no Brasil, que é uma cultura periférica, a coisa é muito mais grave. O Brasil reflete e exporta o que há de pior. É a Meca da mediocridade.

Quem seriam os ideólogos do vazio?
Por trás dessa teoria, existe uma tremenda doutrinação marxista. A ênfase na coletivização em detrimento do indivíduo. Ao mesmo tempo em que isso ocorre, enfatiza-se muito a celebridade. Acaba o indivíduo, mas cresce a celebridade. Parece contraditório, mas penso se tratar de uma compensação pela destruição da individualidade. Nem no romantismo tivemos uma valorização tão grande da figura do artista, porque tínhamos ainda a inspiração. Quando você evoca a inspiração, você admite algo que extrapola essa figura. É mais importante o artista enquanto instrumento da criação e não uma projeção de sua vaidade, de sua autossuficiência. Teóricos como (Gilles) Deleuze, (Jacques) Derrida e Michel Foucault passam a levar a sério tudo aquilo que não alcançou, até então, qualquer status na história da cultura. O exemplo típico é o urinol de Duchamp (obra intitulada A fonte), que está na capa do livro Arte e desastre. O urinol de Duchamp provocou mais questões teóricas que toda a história artística do ocidente. É um mistério, e nós sabemos qual é a função do urinol. Não me parece que tenha nenhuma função estética.

É o que o senhor chama de mania de desconstrução. A universidade tem lá sua responsabilidade nisso, não tem?
É a transgressão erigida em norma, em valor. Qualquer transgressão passa a ter valor pela sua capacidade de desconstruir toda criação valiosa. Ora, o que está por trás dessa desconstrução? Obviamente, trata-se de um tentativa séria de legitimar a erradicação do indivíduo do cenário estético e proclamar o coletivismo. Significa, do ponto de vista ético, a ausência de responsabilidade de cada artista particular. O que ele faz tem a sanção do coletivo, logo é bom. Essa visão compromete a ética e a estética ao mesmo tempo. Isso é ensinado e doutrinado nas universidades. Você tem que entrar na cartilha, estudar tudo isso e fingir que está gostando. O ambiente da universidade é deletério, tornou-se assim. Deixou de ser aquilo que fez parte de sua fundação. Carlos Magno procurou sábios, gostava de se cercar deles. Ao passo que hoje a turma procura técnicos de ignorância, pessoas ignorantes de qualquer tipo de humanismo. A verdade é essa. Eu vivi lá e vi o lance. A lembrança que eu tenho é de três ou quatro professores valiosos, apenas. Maria do Carmo Tavares de Miranda, que criou o departamento de Filosofia, Nelson Saldanha, Leônidas Câmara, Ariano Suassuna. São poucos. Dominantemente, o clima favorece mais a busca de cargos, de verbas.

O senhor sempre fala da figura do cachorro. Por quê?
Você olha para certo tipo de cachorro e vê nele mais filosofia do que em muitos colegas da universidade. Alguns cachorros têm aquele olhar melancólico de Heráclito de Éfeso, da escola do devir. Outros são heideggerianos. Eu tenho uma certa afinidade com os cachorros, apesar de não ser daquela escola grega dos cínicos, que é uma palavra que vem de cão (kynikos é adjetivo de kynon, que significa “cão”). Por que é que eu passei a identificar cachorros com filósofos? Porque Platão, que era um gozador emérito, declara em A República que o cão é o verdadeiro filósofo. O cão sabe distinguir o dono do estranho que está chegando. Qual a função da filosofia senão a guarda do ser? O filósofo é o cão de guarda do ser. E não é por acaso que, em Curitiba, uma cachorra se apaixonou por mim. Quando me viu ficou doida.

O senhor afirma que mesmo os ateus marxistas deveriam frequentar uma missa. Por quê?
Eu não tenho lembrança de nenhum cara de esquerda ético. A ética não existia em nenhuma relação humana marcada pelo marxismo. Ética é coisa da burguesia. Toda ética era burguesa. No convívio com esse pessoal, eu não via nenhuma preocupação ética. Agora imagine o que acontece num regime totalitário de esquerda. Ninguém é responsável por nada. Você pode matar à vontade à serviço da revolução. Tanto que eles são vampiros. Pegam uma figura como Nietzsche e vampirizam a serviço da causa. Não tem figura mais antimarxista que Nietzsche. Aliás, uma figura que é colocada como mestre da suspeita. Tudo é suspeita. Como é que você pode ter uma visão crítica se você não passa pelo estágio mítico? Isso é ideologia pura. O cara já sai vacinado contra tudo. Nunca esqueci de um espanhol que disse que a missa é uma tourada. Como? Tem ofertório, consagração e comunhão (risos). Ele queria dizer que a tourada é um espetáculo estético. Mas a missa é um espetáculo obviamente muito mais refinado que uma tourada. Você tem toda a encenação. É um auto. Então, se o cara não aprender a ter fé, ele aprende pelo menos a gostar de estética. O ateísmo é um péssimo conselheiro em arte. Por exemplo, 90% do que Pablo Neruda escreveu não vale nada, porque ele leu Marx. Nós somos um país jovem, mas já demos padre José Maurício (Nunes Garcia), Villa-Lobos, Jorge de Lima, Drummond, Gilberto Freyre. Eis o problema. O meu medo é que a classe média brasileira domine o mundo, porque ela vai acabar com a cultura universal. Uma classe média que paga para ver Roberto Carlos vestido de marinheiro dentro de um navio é uma classe média que não tem nada na cabeça. Isso é brincadeira para menino de 8 anos. A classe média brasileira é isso. Nela, não há lugar para a arte.

sábado, 21 de julho de 2012

Das tradições

Freqüentemente observamos alguém defendendo algum ritual, evento ou costume baseando-se no argumento dogmático da "tradição". Como se apenas o fato de ser antigo e costumaz, pudesse ser referendado e legitimado como algo justo e/ou ético. Mas, como tudo que seja dogmático, essa alegação não se sustenta por muito tempo quando questionada. 
Na tradição da tourada, o boi é torturado, ferido e sucumbe por muito tempo até a exaustão, quando acontece o golpe final.
Algo que é mau jamais vai tornar-se bom somente através da repetição e do tempo. Precisamos cultivar boas tradições para evitarmos causar ainda mais dor e sofrimento no mundo. As tradições não possuem um valor intrínseco e não tornam-se éticas tão-somente por serem antigas. Temos a capacidade de escolher e moldar sob quais tradições penderá a cultura dos nossos descendentes no futuro.
A circuncisão das crianças judias e algumas muçulmanas; as touradas, rodeios e outros tipos de pseudo-esportes baseados na tortura e no sadismo; a mutilação dos órgãos genitais das mulheres muçulmanas (e, na África, também de algumas cristãs); entre outras "tradições" jamais tornar-se-ão morais apenas por serem rituais antigos. Ao contrário, alguns costumes primitivos que venceram o tempo precisam ser revistos sob a luz da razão e evoluir com ela; o que significa a extinção de comportamentos bárbaros. Assim como foram vencidas as "tradições" da escravidão, mesmo com o forte apelo da Igreja Católica contra a abolição e dos torneios da morte no antigo coliseu de Roma, que era reverenciado pelo próprio Estado. Passada a fase, ninguém em sã consciência desejaria a volta desses costumes.
Não há um valor moral em si que seja conseqüência da repetição de um ato bárbaro, não é razoável conceber que apenas o tempo seja capaz de legitimar algo primitivo e repugnante como aceitável e ético. Os valores precisam estar permanentemente sob o crivo do princípio da razão e à luz da ciência para que possamos reunir condições de aumentar as possibilidades de felicidade e diminuir a dor das criaturas do mundo, já que a existência é inevitável a partir do momento em que a mesma é factual. Então, façamos valer a pena.