terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Singer e a moralidade

“Algumas pessoas pensam que a moralidade está fora de moda. Vêem-na como um sistema de irritantes proibições puritanas cuja função básica seria a de impedir que as pessoas se divirtam. Os moralistas tradicionais se colocam como defensores deste tipo de moralidade, mas, na verdade, o que fazem é defender um código específico de moralidade. Permitiu-se que se apropriassem desse campo a tal ponto que, quando um jornal traz estampada uma manchete nestes termos: BISPO ATACA DECADÊNCIA DOS PADRÕES MORAIS, nossa expectativa é que ele esteja se referindo à promiscuidade, homossexualidade, pornografia e coisas do gênero, e não às quantias irrisórias que destinamos à ajuda internacional às nações pobres, nem à nossa irresponsável indiferença para com o meio ambiente de nosso planeta”.

SINGER, Peter. Ética Prática. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

Singer é um ferrenho defensor da dessacralização do homem, portanto faz questão de assinalar, no capítulo específico sobre a Ética em geral, que o que a ética não é, para apenas depois de analisar os erros históricos, definir a natureza da ética e da moralidade livre de influências institucionais que brigam, na verdade, por um código de ética específico que nada tem a ver com filosofia.

Em Ética Prática, Singer parte de princípios em que valores religiosos simplesmente não podem ser levados em consideração. Para um estudo coerente, devemos refutar códigos específicos de ética e buscarmos a ética como um comportamento universalizável. O sexo, por exemplo, não coloca nenhuma questão moral específica. Portanto, a primeira coisa que a ética não é pode ser definida como uma série de proibições ligadas ao sexo, ainda que outras decisões que relacionam-se com o sexo indiretamente, como honestidade e prudência sejam alvo de um pensamento moral.

O juízo do que é bom ou mau passa ao largo da religiosidade, uma vez que ele é humano. Platão já resolveu esse problema há dois milênios, quando argumentou que “se os deuses aprovam algumas ações, isso deve ocorrer por tais ações serem boas”; portanto, não é pela aprovação dos deuses que se tornaram boas – o juízo é nosso. Alguns teístas modernos tentaram resolver esse problema ao sustentar que, se Deus é bom, aprova o auxílio e desaprova a tortura, mas o que estão querendo afirmar com “Deus é bom”? Que Deus é aprovado por Deus?

Tradicionalmente, a ligação entre religião e ética estava no fato de se pensar que a religião oferecia uma razão para fazer o que é certo. Os “bons” seriam recompensados, mas nem mesmo pensadores religiosos, como Immanuel Kant, cristão devoto, pensavam assim. Kant zombava de tudo que lhe cheirasse código moral por interesse próprio. Devemos obedecer-lhe, dizia Kant, por seus próprios méritos.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

O pássaro de vidro

Desde pobre peito inchado
Aflita a pobre malícia
E, como um porco enjaulado,
Permaneço nessa estultícia.

Mal sabem os pileques
Que alimentam ser desamparado
Um prazer de natureza, pacato
Como em todos os seus alicerces.

E a pomba branca, por triste fim
Desiste de voar, sem ao menos
Do ninho ter saído assim.

Longe da razão, a coragem
Segue de braços atados
Nessa cova de bandidagem.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Projeções para 2011 - Livros

Estão, entre meus projetos para 2011, a publicação de um livro de poesias inéditas sob o título Poesias de Toalete e um outro de Filosofia, porém em relação a este ainda não decidi sobre duas hipóteses:
a) Uma reunião de artigos pessoais sobre temáticas diversas;
b) ou um livro baseado na minha monografia, uma espécie de exegese da obra de Peter Singer, cujo título seria: A igual consideração de interesses e suas implicações.

Em relação às leituras, pretendo diversificá-las já que após a formatura posso escolher o que quero ler. As hipóteses são as seguintes:
a) Aprofundar-me na obra de Singer;
b) Conhecer o restante da obra de Richard Dawkins, autor de "Deus, um delírio";
c) Aprofundar-me na obra de F. Nietzsche.

Aproveito esse espaço para agradecer os seguidores, assíduos ou esporádicos, pela honra que me dão em considerar relevante algo que seja postado aqui nesse humilde espaço. Agradeço a todos, de coração.

Também gostaria de anunciar que criei uma conta no Twitter: @saulomoreira_
Qualquer pessoa sinta-se livre para me adicionar por lá.

Até breve,
Saulo

domingo, 28 de novembro de 2010

Homenagem


Ao melhor terceiro ano do Colégio Alternativo!!! Minha homenagem pela conclusão do Ensino Médio!!

Abraços a todos

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Confira o seu horóscopo do dia


TOURO - Não fique feito vaca. Dia bom pra pelar porco e comprar papel higiênico.
VIRGEM - Uma pessoa estranha entrará em sua vida, pode até ser por trás. Persevere.
ÁRIES - A atual casa astral não é uma boa, tente a casa do caralho.
GÊMEOS - Dia bom para quem tem uma ferida na perna. Tome tenência, compre um guarda-chuva.
AQUÁRIO - O dia se apresenta altamente mais-ou-menos. Cuidado com as coisas.
CÂNCER - Dia bom pra quem tem irmão baitola e coleciona retratos de Bruno e Marrone.
LEÃO - O terceiro decanato um dia chega. Não subestime sua incapacidade.
LIBRA - O dia tanto pode ser bom, como ruim. Não vá na onda, compre o lubrificante.
PEIXES - Dia bom tanto pra ir, como pra voltar. Durma pelado(a) se for seu caso. Obtempere.
ESCORPIÃO - Dia bom pra capar jumento, mormente as coisas. Por que você é assim?
SAGITÁRIO - Alguém telefonará e você atenderá, e depois desligará.
CAPRICÓRNIO - Dia ótimo pra capar jumento e fazer 69. Sorria, isso passa.

Fonte: Horóscopo falconiano.
Obs.: Esse horóscopo é tão verídico quanto qualquer um do João Bidu.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

O que realmente dizem as fotos dos perfis das redes sociais

Você já reparou naquelas fotos que ilustram a página inicial dos perfis das redes sociais?

Percebeu que são fotos sempre "estilosas"?

Neste post esclarecemos a verdade sobre 40 destes tipos de fotos. O que querem que você pense que eles são e o que eles realmente são.

EXEMPLO
ESTILO DA FOTO
O QUE QUEREM QUE PAREÇA
O QUE REALMENTE É
Sensual, feminina. Talvez seja um fetiche. Tem um bom motivo para não mostrar o resto do corpo
Foto de top model Feminina, linda e cheia de atitude É casada, gorda ,tem 4 filhos e navega na internet escondida do marido
Hello Kitty Tenho 9 anos e sou muito fofa É um pervertido de 52 anos, desempregado que se masturba vendo comerciais de fralda pumpers
De gorro na neve Excelente nivel cultural e financeiro. Viaja todos os anos para o exterior Anda está pagando as prestações do pacote CVC para São Joaquim. Não usou o frigobar.
Foto antiga de bebê Que criança fofa! Imagina só a gata que está hoje! Feia. Na verdade essa foto de bebê é a unica em toda sua vida em que ela parece mais ou menos bonitinha...
Lindos seios em um decote sensual Gostosa, sexy, turbinada e poderosa Na verdade os peitos são da Scarlett Johansson, pois os dela tem o tamanho de azeitonas
Time de futebol Hétero, macho, esportista Infantil. Provavelmente ainda é virgem.
Torso sarado Gostoso, solteiro, disponível Hétero com penis pequeno ou gay
Sem foto Engracadinho, bem humorado, piadista Inseguro. Criou o perfil só pra fuxicar o perfil da ex-namorada que deu um chute na bunda dele
Embaçado Artística, criativa Gorda e feia que ninguém pega
Auto retrato tirado em um espelho Estiloso Criatura estúpida demais para descobrir como funciona a merda do timer da câmera
Close, foto escura Enigmatico Feia
Ângulos extremos Estiloso, excêntrico Feia. Provavelmente é a unica foto que disfarça a feiúra
Ângulos extremos com seios à vista Sexy, malvada Gorda e fácil
Foto sutil dos "dotes" Sexy mas não descarada Fácil
Foto óbvia dos dotes Gostosa, linda, etc. Piranha
Rapaz usando maquiagem Alternativo Viadinho "pão-com-ovo"
Close extremo de partes do corpo Gostosa, linda, etc. Não é foto própria. Provavelmente a criatura é gorda, feia e fedorenta.
Somente os olhos Profundo, enigmático Viado enrustido. Provavelmente casado com mulher
Foto com bebida alcoólica Divertido, que gosta da night e baladas Criatura imbecil, que quando bebe, quer fazer sexo com qualquer coisa que tenha batimentos cardíacos.
Rapaz em um carro conversível Rico Fudido. Só anda de busão. O carro é emprestado
Alongando, praticando ioga ou ginástica Saudável, zen. Mente e corpo em harmonia A quadrúpede foi criada por uma família da macacos. Trabalha em circo
Idoso sorrindo Feliz e bem com a vida. Não precisa enconder a idade. Rico. A reabilitação oral com coroas de porcelana não saiu por menos de 15 paus
Foto com a namorada Apaixonado Dominado pela namorada ciumenta que o obrigou a colocar essa foto no perfil só para as vagabundas saberem que ele já tem dona
Lutando artes marciais Espertista, forte, sarado e perigoso Dominado pelo namorado ciumento que o obrigou a colocar essa foto no perfil só para as vagabundas saberem que ele já tem dono
Foto do jeremias Figuraça, fanfarrão. Gosta de uma birita. Nerd imbecil. Acha que todo mundo sabe quem diabos é o Jeremias
Bad Boy Atitude, muita atitude Precisam comprar calças menores.
Imagem de paisagem Introspectivo, discreto. Não liga para as aparências Gordo
Segurando uma prancha de surf Jovem, sarado, bronzeado. Gosta de aventura e esportes radicais. Alugou a prancha para tirar a foto. E a gorda no canto da imagem, prova que ele está na Praia Grande, não na Joaquina.
Colegial sexy Menina sapeca Tem 24 anos e ainda está na 7ª série. É fâ do Restart
Na Micareta Animado Só pega mulher bêbada
Imagem amarelada, granulada, levemente desfocada e com data no canto inferior direito Nostálgico. Gosta de relembrar dos velhos tempos Duro. Escaneou a foto por que nao tem camera digital nem no celular, que é pré pago
Escrita "LOTADO" Extremamente popular. Conhece tanta gente que lotou o limite de amigos no perfil. Solitário e desempregado. Passa os dias adicionando perfis fakes que ele mesmo cria
Foto com barra do Lula Antenado com a política Tem um cargo comissionado e tem medo de perder a boquinha
Moto Rdaical, jovem, ousado. Passou dos 45 anos e tem exame de toque retal na próxima semana
Foto em casa, largadão Despojado, verdadeiro. Cuecas furadas, meias fedidas e caspa, muita caspa
Foto vestida de noiva Acabou de casar e está mais feliz que nunca Me adicionem, preciso de um amante pois meu marido não dá no couro!
Amigas na balada Girl power! Solteiras, livre e felizes. Piriguetes
Tocando violão Romântico Chato, desempregado ou fudido. Ou tudo isso junto

A indústria farmacêutica e a "gripe suína"

Fatos intrigantes sobre a suposta pandemia da gripe suína.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

A República, Livro X

A crítica aos artistas e seu critério para tal
Sócrates – personagem que encarna o pensamento de Platão – inicia o diálogo criticando os poetas trágicos e recriminando a poesia imitativa. A partir da distinção dos elementos da alma, ele não admite quaisquer obras nesta feição.
Sócrates argumenta que, sem conhecer o que elas (as obras) são realmente, ou seja, sem o que ele denomina “antídoto”, causam mal e arruínam a alma daqueles a que as obras chegam ao conhecimento. Esse desfecho não espanta, haja vista que durante o desenrolar da cidade imaginária platônica, as obras artísticas em geral seriam totalmente moldadas pelo Estado, o que contribuiria para que os homens fossem influenciados desde a infância para uma alma justa e pura.
Sócrates, com muito pesar, admite que por mais belas que sejam as obras dos poetas trágicos, inclusive por ele admirados desde cedo, na figura do que lhe parece ser o ‘chefe’ da tragédia – Homero – é com a verdade que é urge ter compromisso e sendo assim ele não hesitaria em buscá-la.
Apoiando-se no seu Mundo das Idéias, Platão exemplifica a questão, alegando que há um objeto original, que nos foge ao sensível, e os homens que são capazes reproduzem uma cópia desses objetos. Especificamente, por exemplo, uma cama: há uma única forma de cama, mas há um sem-número delas. Noutras palavras, a forma, em si mesma, foge à competência do carpinteiro. Essa distinção refere-se ao que é a cama, em relação a uma cama em particular. O carpinteiro, artesão ou qualquer outro trabalhador é incapaz de fazer o objeto real, mas sim, algo que se assemelhe a este.
A cópia seria algo obscuro, quando comparada ao objeto real. Baseando-se em exemplos como estes, ‘Sócrates’ procura descobrir o que pode ser o imitador. A primeira espécie de cama seria criada por Deus, e a segunda espécie de cama seria criada pelo marceneiro. E ainda há uma terceira espécie de cama, a criada pelo pintor (imagem). Assim, o pintor, o marceneiro e Deus são três que presidem à forma destas três espécies de camas. Ou seja: Deus é o criador verdadeiro da cama real, o marceneiro é o obreiro da mesma e o pintor é o imitador daquilo que os outros dois são os artífices.
Assim, sendo o pintor o imitador e afastado em três graus da natureza real, o autor de tragédias, se é um imitador, estará por natureza afastado três graus do rei e da verdade, assim como todos os outros imitadores.
Sócrates raciocina que a aparência de um objeto é diferente de acordo com o ponto de vista, já que o ponto de vista é apenas a vista de um ponto. Sendo assim, o pintor, ao imitar a aparência, está absolutamente longe da verdade; e “se modela todos os objetos, é porque respeita apenas a uma pequena parte de cada um (...)”.
Por fim, o tal homem conhecedor de todos os ofícios, que é capaz de fazer tudo o que os outros fazem, e com igual ou mais exatidão do que qualquer outro, pode ser perfeitamente alcunhado de charlatão, pois nada mais é do que um imitador. O homem que acreditar nesse charlatão pode ser considerado ingênuo, por ter-se iludido e ter sido incapaz de distinguir a ciência, a ignorância e a imitação.
Considera-se agora a tragédia – cujo Homero é o pai – repleta de imitadores, ainda que “certas pessoas” os julguem de multi-talentosos, versados em todas as artes, e em tudo no que concerne à virtude e ao vício e até nas coisas divinas. Também dizem esses leigos que é necessário que o poeta conheça profundamente do assunto de que trata, pois do contrário nada poderia criar. Procede que essas pessoas acabaram tendo sido enganadas, quando observa-se que estão afastadas a três graus do real.
Contudo, Homero não prestou serviços públicos, em momento algum esteve frente à educação deixando algum levado de, por exemplo, uma ‘vida homérica’, assim como o fez Pitágoras. Sócrates toma como princípio que todos os poetas, assim como Homero, são simples imitadores das aparências da virtude e de todos os assuntos de que tratam, mas que não atingem a verdade. Enfim, “o criador de imagens, o imitador, não entende nada da realidade, só conhece a aparência”. (328-329)
Aprofundando a análise, Sócrates fala sobre as artes que correspondem a cada objeto: a) uso; b) fabricação; c) imitação. E o objetivo da beleza e da perfeição de um móvel, de qualquer animal, de uma ação seria tão-somente a sua utilidade, objetivando a necessidade pelo qual cada coisa teria sido feito, seja pelo homem ou pela natureza. A partir desse raciocínio, Platão dá sentido às coisas.
Sócrates ousa permitir até mesmo que não mais os poetas, mas seus defensores, amantes da poesia, falem sobre ela em prosa e prove que não é somente agradável, mas também, útil, ao governo dos Estados e à vida humana. E anseia, ironicamente, que ouvirá com boa vontade, de gosto que alega que será “bastante proveitoso” para todos se ela não só revelar-se agradável, mas também, útil.
Todavia, Sócrates se refere à poesia comumente versada nos Estados, e que foge àqueles moldes de sua República, na qual a poesia existiria por amor e serviria como instrumento de instrução, tendo assim um papel fundamental na formação do jovem, conduzindo-o à virtude e à justeza, através da manifestação da verdade.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A República, Livro IX

Definição e conceituação de ‘desejo’ em Platão
Para Platão, dentre os prazeres e os desejos não necessários, alguns são ilegítimos. Contudo, tais prazeres são inatos de cada ser e, para reprimi-los, existem as leis. Os desejos melhores, com o auxílio da razão podem ser totalmente extirpados em alguns ou ficarem subjugados, enfraquecidos e reprimidos em alguns, assim como ficarem em pequeno número; ao passo que nos outros subsistem mais fortes e em maior número.
Àqueles que despertam-se para os desejos bons, na parte da alma que é racional e benigna, cabe-lhes comandar a outra parte, que é bestial e selvagem e que após saciados prazeres animalescos, parte em busca da satisfação de sua má índole. Nesses casos, não há equilíbrio e a alma tudo ousa, sem qualquer vergonha ou prudência.
Esse homem bestial não tem qualquer sentimento de culpa em relação ao incesto ou em relação a qualquer relação que seja, desde o animal ou a algum deus, alimenta-se de qualquer coisa e sua imprudência o impede de ter juízo sobre tais valores.
Já o homem cujo elemento racional despertou-lhe a alma, é alimentado por belos pensamentos e nobres especulações, pensando a respeito de si mesmo, no momento em que media seus desejos sem entregar-se à simples e pura concupiscência, a fim de que se mantenha em repouso e não cause perturbações. O elemento cultural é evidente na descrição platônica a respeito do homem que cobra sensatez de seus instintos. Este homem, de pensamentos equilibrados e de todas as outras virtudes descritas, esforça-se por aprender do que ignora.
Este homem toma controle de seu instinto irascível, e nesse pensamento não é tomado de ira por quem quer que seja. “Quando acalmou estes dois elementos da alma e estimulou o terceiro, em que reside a sabedoria, e, por fim, repousa, (...) toma contato com a verdade melhor do que nunca, e as visões dos seus sonhos não são de modo nenhum desregradas”. (292) É imperativo notar que a sabedoria não aporta naturalmente a partir daí, há nela uma necessidade de “estímulo”, para que seja alcançada.
Não se pode esquecer do ponto fundamental a que chega Platão: de que, mesmo nos mais regrados, há neles intrinsecamente desejos que podem ser considerados terríveis, selvagens e sem leis, e tal selvageria pode ser encontrada também nos sonhos.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A República, Livro VIII

As formas de governo
Na busca de uma organização perfeita, ter-se-ia nessa cidade uma comunidade das mulheres, a comunidade dos filhos e de toda a educação, assim como a das ocupações em tempo de guerra e de paz, e serão soberanos os que se revelarem os melhores como filósofos e como guerreiros.
Foi também estabelecido que após as nomeações, os chefes deverão conduzir e instalar os soldados em suas casas comunitárias, sendo imperativo também não esquecer a regra dos bens em relação aos soldados.
Estes soldados receberiam uma espécie de salário – o suficiente para manterem-se durante um ano – e deveriam zelar pela segurança, a deles própria, e do resto da cidade; além de, caso necessário, fazer com que as leis se apliquem à base de suas forças.
Esgotando-se a divagação a respeito de Estado, supor-se-ia que este modelo pensado era bom e os outros eram maus, e que os homens nesse estado imaginário também assim o seriam, frutos de dedicada instrução. As outras formas de governos seriam falhas, posto que a proposta por Sócrates era boa.
Sócrates teria dito que, entre as outras formas de governo, haveriam quatro espécies dignas de atenção, e observar-se-ia através delas, em quais os homens seriam mais felizes ou mais infelizes, de modo que este termômetro baseado na satisfação populacional pudesse julgar o próprio mérito do sistema adotado em cada cidade.
Sem pestanejar às perguntas de Glauco, Sócrates prontamente cita as formas de governo de que falava: a primeira seria o governo “muito elogiado” (258) de Creta e da Lacedemônia, O segundo seria a oligarquia, que, nas palavras do grande filósofo, ‘só se louva em segundo lugar’ e é detentora de ‘vícios vários’. O terceiro, e em oposto ao último, viria a Democracia e, por fim, a Tirania, que se contrapunha a todos os outros e seria a “quarta e última doença do Estado”. (258)
Sócrates (Platão) credita as monarquias hereditárias, os principados venais e os governos semelhantes a nada mais que meras formas intermediárias e não só encontrar-se-iam entre os gregos, mas também entre os bárbaros.
Sócrates assegura que todas as formas de governo provêm do caráter de quem os faz e quem os mantêm, além dos costumes dos próprios cidadãos que habitam nas cidades em que essas tantas formas de governo são implementadas. Daí, conclui Sócrates, se existem cinco espécies de cidades, também assemelhar-se-iam delas os caráteres das almas de seus indivíduos.
A proposta de Sócrates é observar, dentre estas formas de governo, qual seria a mais justa e a mais injusta, e a partir daí fazê-las oposição, para a análise de felicidade ou infelicidade de seus cidadãos.
O próximo passo seria analisar os homens de cada governo; ao “governo da honra”, Sócrates chamou-lhe “timocracia”, depois a oligarquia, em terceiro lugar a democracia, e por fim, procurar considerar a tirania e a alma do tirânico.
Sócrates percebe que as constituições das cidades modificam a partir de quem está no poder, e há de se analisar de que maneira se passa da aristocracia para a timocracia. Pondera-se a possibilidade da discórdia entre os guardiões da cidade imaginária e através de que meios isso poderia acontecer.
É interessante notar que o próprio Platão reconhece que mesmo sendo o seu Estado exeqüível e mesmo admitindo que tal Estado dificilmente esfacelar-se-ia, admite que tudo o que nasce é passível de corrupção e sentencia que também esse sistema de governo não durará eternamente.
Platão admite que, por mais sábios que sejam os chefes de tal cidade, “não conseguirão nada pelo cálculo unido à experiência”, (260) e isso seria independentemente das gerações futuras. Estas coisas escapar-lhes-iam, e o controle de natalidade por certo em algum ponto da história sucumbirá. Para Platão, o sustento da excelência da prole da cidade só dar-se-ia com o nascimento dos mais apropriados para as tarefas e, “quando os (...) guardiões, não (...) conhecendo [a importância destas regras], unirem moças e rapazes fora de propósito, os filhos que nascerem desses casamentos não serão favorecidos nem pela natureza nem pela fortuna”. (260) Os antecessores à estes até colocariam tão-somente os melhores à cabeça do governo, mas ao passar das gerações isso perderia a importância. E os então guardiões, apesar de seu status, não honrariam as tradições inicialmente planejadas, como a música e a ginástica. Em suma, as novas gerações seriam incultas, ou bem menos cultas.
Esses novos chefes não seriam capazes de zelar pela força e harmonia do Estado, esquecer-se-iam dos valores do ouro, prata, bronze e ferro. E da mistura destes metais, resultaria inconveniência, irregularidade e desarmonia, que por sua vez, engendraria guerra e ódio. Estes chefes seriam cobiçosos de riquezas, como os cidadãos dos estados oligárquicos, adorarão com paixão e “às ocultas, o ouro e a prata, porquanto terão armazéns e tesouros particulares, onde as suas riquezas estarão escondidas, e também habitações protegidas por muros, verdadeiros ninhos privados, nas quais gastarão à larga com mulheres e com quem muito bem lhes apetecer”. (262) O Estado perfeito já estaria sob risco.
Talvez essa ‘premonição’ platônica seja de fato uma prevenção, para que, se por ventura seu Estado de fato existisse, coexistiria uma vacina para os eventuais males que poderiam causar a deterioração de seus valores; para que os novos chefes, de gerações posteriores, não permitissem a displicência na vigilância de tais princípios.
Continuando sua análise sobre o comportamento dos indivíduos em determinados regimes, Sócrates menciona sobre a natureza do cidadão timocrático: tais homens seriam cobiçosos de riquezas, amantes de honrarias e, durante a mocidade, um homem assim poderia até desprezar as riquezas, mas com o decorrer do tempo esses valores inverter-se-iam, por que sua natureza incita-o à avareza e a sua virtude não é pura. A imagem do jovem ambicioso é a imagem do governo timocrático.
Já na oligarquia, essa tratar-se-ia de um governo fundamentado no recenseamento, em que os ricos mandam e o pobre não participa do poder. A passagem da timocracia para a oligarquia parte da desobediência das próprias leis timocráticas. Deturpar-se-iam as leis, quando descobrir-se-iam os motivos de despesas e fariam por satisfação. E a assim a massa segue estes pioneiros por conseguinte. Sócrates conclui que, quando a riqueza e os homens ricos são honrados numa cidade, a virtude e os homens virtuosos são tidos em menor estima. O comando da cidade é executado não pelo melhor, mas pelo mais rico e influente. Disto procede uma cidade não una, mas dupla: a dos ricos e a dos pobres.
Da oligarquia à democracia, diz o filósofo, transmuta-se pelo efeito da insaciável cobiça do indivíduo de possuir os bens e tornar-se tão rico quanto possível. Os chefes democráticos devem sua autoridade aos grandes bens que possuem. Dessa forma, recusam-se a elaborar leis que reprimam a ‘libertinagem’ dos jovens, de forma a manter seu patrimônio, haja vista que anseiam por mais riqueza e poder. Fatualmente, conclui-se que temperança e riqueza não podem coexistir num único indivíduo.
A democracia é “provavelmente” (274) seria o mais belo de todos os governos. Os cidadãos dessa cidade organizariam suas vidas como melhor lhes conviriam, de modo que nestas cidades há cidadãos de toda espécie: comerciantes e mendigos, homens bons e maus. Sócrates admite que “quem pretende fundar uma cidade, (...) é obrigado a dirigir-se a um Estado democrático, como a um bazar de constituições, para escolher a que prefere e, a partir desse modelo, realizar em seguida o seu projeto”. (274)
Concomitantemente a esse conceito, Sócrates argumenta que uma sociedade democrática não poder-se-ia praticar a justiça, posto que uma criança nascida fora das bases de sua cidade planejada, a não ser que fosse dotada de excelente caráter, invariavelmente se inclinaria para o caminho dos vícios e na base da injustiça, por intermédio da competição e da falta de unidade que se observa numa cidade democrática.
Resta então, aos bravos desbravadores da República, divagar a respeito da tirania. Sócrates coloca em evidência a origem democrática da tirania e ressalta que a passagem da democracia à tirania é semelhante à passagem da própria oligarquia à democracia. O desejo insaciável da liberdade, por parte dos comandantes outrora democráticos, aliada à indiferença por todo o resto os obrigaria a recorrer à tirania.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

A República, Livro VII

A alegoria da caverna
Para exemplificar a diferença entre a natureza humana no que concerne a instrução e a ignorância, Platão desenvolve uma alegoria influenciada por sua própria experiência pessoal.
Imagina-se uma morada subterrânea, como uma caverna, com uma entrada aberta à luz. Nela, residem homens que lá estão desde os primórdios de suas vidas, e nela permanecem acorrentados pelas pernas e pelo pescoço, de modo que os que lá habitam não podem mexer-se e nem enxergar senão o que está diante deles.
A luz que chega é através de uma fogueira, acesa numa colina que se ergue por detrás deles, e entre o fogo e os prisioneiros passa uma estrada ascendente. Em paralelo à estrada, está construído um pequeno muro, de forma que ao longo desse muro podes ser avistadas as sombras de homens e animais de todas espécie e o que eles transportam: seja de pedra, madeira ou qualquer espécie de matéria. Dentre esses transeuntes, naturalmente alguns falam e outros, não.
Nessa analogia platônica à raça humana, observa-se que durante toda a vida dos prisioneiros, eles nada puderam ver além das sombras projetadas pelo fogo que passam pelo muro que fica defronte à caverna, já que estão imóveis durante todo o tempo.
Obviamente, estes habitantes tomariam por objetos reais as sombras que lhes eram informadas por suas faculdades sensoriais. Até mesmo o eco que por ventura pudesse vir da parede à caverna, seria julgado como advindo da sombra, que afinal passava diante deles.
Então, para estes homens, só atribuirão realidade às sombras dos objetos fabricados. Imagina-se, então, que se liberte um desses prisioneiros e ele seria obrigado a caminhar, voltar o pescoço e erguer os olhos para a luz. Ao fazer tais movimentos, sofrerá, e tal deslumbramento impedi-lo-á de distinguir os objetos de que antes via as sombras. Ele não associará tais objetos tão facilmente, já que passou a vida inteira nas ‘trevas’ e a luz seria por demais forte para que a priori ele pudesse distinguir alguma coisa. Caso alguém chegasse e dissesse a esse homem que o que ele via antes não passava de vultos, e agora ele pode perceber as coisas com mais clareza, se o obrigar, à força das perguntas, a dizer o que é, provavelmente ele ficará embaraçado e as sombras de que viu a vida inteira lhe parecerão mais verdadeiras do que os objetos que lhe mostram agora.
Num segundo exemplo, Platão supõe no caso deste mesmo homem ser arrancado à força da caverna e ser obrigado a permanecer à luz do Sol, sofrerá e queixar-se-á dessa violência a contragosto. De início, com os olhos ofuscados pelo brilho da luz, continuará não sendo capaz de distinguir as coisas do mundo. Contudo, com o hábito de ver os objetos da região superior, começará distinguir mais facilmente as próprias sombras; em seguida, as demais imagens e dos reflexos n´água, e por último, os próprios objetos. Depois disso, poderá contemplar os corpos celestes à noite e a luz do dia. Por fim, será o próprio Sol o contemplado e não mais as suas imagens. Com o tempo, este homem concluiria que é o Sol que faz as estações e os anos, que governa tudo no mundo visível e que o próprio Sol, de certa maneira, é a causa de tudo o que ele via com seus companheiros na caverna.
Altamente influenciada pelo exemplo de Sócrates, quando por exemplo Platão cita que o homem percebe com mais clareza “à força das perguntas” (referência à maiêutica), a alegoria tem também seu intuito político, pois o homem “lembrando-se de sua primeira morada, da sabedoria que aí se professa e daqueles que aí foram seus companheiros de cativeiro, (...) se alegrará com a mudança e lamentará pelos que lá ficaram” (227)
A analogia com o exemplo vivido por Sócrates também pode ser percebido na continuação do que segue na alegoria: supondo que nessa gruta cavernosa se distribuíssem honras, louvores e recompensas “àqueles que se apercebessem, com o olhar mais vivo, da passagem das sombras, que melhor se recordasse das que costumavam chegar em primeiro ou em último lugar, (...) e que por isso era o mais hábil em adivinhar sua aparição, e que provocasse a inveja daqueles que, entre os prisioneiros, são venerados e poderosos”. (227) Este homem certamente preferiria viver a mais miserável das vidas lá fora à viver das antigas ilusões das quais vivia.
Numa sutil postura política, possivelmente também análoga a Sócrates, Platão imagina ainda: E se caso esse homem adaptado ao mundo exterior voltasse à caverna e sentasse em seu antigo lugar? Ficaria com os olhos cegos pelas trevas ao se afastar bruscamente da luz. E, voltando à competição com seus companheiros ainda presos às correntes, para julgar as sombras de sempre, teria grandes dificuldades para retornar à mesma aptidão que antes tinha para distinguir os tais vultos. Então os outros prisioneiros zombariam dele, dizendo que voltou com a vista estragada por ter estado lá em cima. “E se [este homem] a alguém tentar libertar e conduzir para o alto, esse alguém não o mataria, se pudesse fazê-lo?” (228)
Platão reforça que é preciso comparar o mundo que nos cerca com a vida presa na caverna e a luz do fogo que a ilumina com a luz do Sol. Assim como o prisioneiro que se liberta e descobre a verdade, também nós ansiamos por descobri-la: “Quanto à subida à região posterior e à contemplação dos seus objetos, se a considerares como a ascensão da alma para a mansão inteligível, não te enganarás quanto à minha idéia, visto que também tu desejas conhecê-la. Só Deus sabe se ela é verdadeira”. (228)
Para Platão, no mundo inteligível, a idéia do bem é a última a ser apreendida, e só é possível aprendê-la sem de fato concluir que ela é a causa de tudo que existe de belo em todas as coisas. No sensível, ela engendrou a luz e o soberano da luz; no inteligível, é ela que é soberana e dispensa a verdade e a inteligência. É preciso perceber a idéia do bem para se comportar com sabedoria na vida particular e na vida pública.
Voltando, no presente texto, à análise da abordagem em forma de diálogo - com Sócrates fazendo o papel de Platão - a divagação é contínua a respeito do bem e da capacidade das pessoas em conhecer o que é bom e justo. Sócrates questiona a Glauco se o estudo de todas as ciências examinadas é capaz de conduzir à descoberta das relações e do parentesco entre elas. Se há um elo que as une, aborda a respeito de um parentesco entre as ciências. Sócrates afirma categoricamente que se esta não for uma verdade, de nada terá sido útil tanta labuta.
Sócrates afirma que todos esses estudos nada mais são do que um prelúdio do vasto oceano em que ainda é preciso navegar. Porém, reconhece a dificuldade em fazer conhecer a sabedoria pessoas que são simplesmente incapazes de dar razão ou se mostrar ao menos razoáveis.
Contudo, a dialética percorre por esse campo, faz parte do inteligível, mas é imitada pelo poder da visão. A ocularidade é tida como a primeira forma de adquirir o conhecimento, e primeiro olha-se para os seres vivos, depois os astros e por fim o próprio Sol. Eis que alguém tenta, através da dialética, sem o auxílio de nenhum sentido, mas por intermédio da razão, alcançar a essência de cada coisa e não se detém antes de ter apreendido apenas pela inteligência a essência do bem, atinge o limite do inteligível.
Recorda-se do homem da caverna, desde a sua libertação das correntes, a sua conversão das sombras para as figuras ‘artificiais’ e a luz que as projeta, a sua ascensão para o Sol e daí a incapacidade em que se vê ainda de olhar para os animais, as plantas e a luz do Sol, que o força a mirar nas águas as suas imagens ‘divinas’ e as sombras de coisas reais.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

A República, Livro VI

A base ética e a base epistemológica

Após a conclusão de que ‘filósofo’ denominar-se-ia apenas àqueles que se prendem à verdade, ou seja, enxergam as coisas em si mesmas, em sua “essência imutável” – contraposição em relação à doxástica – diferenciou-se o filósofo daqueles que não o são.
A tarefa de escolher quem governaria o Estado assemelhava-se à tarefa de distinguir o homem que busca o imutável daqueles que são incapazes, que “erram na multiplicidade dos objetos variáveis”. E em relação ao caráter filosófico, este seria o caráter dos que amam sempre a ciência, pelo mérito que esta pode conceber essa tal essência eterna a que tanto Platão se refere e tem espelho nos universais. Essa essência “não está sujeita às vissitudes da geração e da corrupção”. (192)
Neste livro, temos aqui o problema fundamental da ética, o ponto crucial da teoria da conduta moral. O que é justiça? Devemos procurar a integridade ou o poder? É melhor ser bom ou ser forte? Como é que Sócrates – isto é, Platão – enfrenta o desafio dessa teoria? A princípio, ele não a enfrenta de maneira alguma. Ostenta que justiça é uma comunhão entre indivíduos e isso provém das virtudes de sua organização social; o que, por conseguinte, pode ser melhor estudada como parte da estrutura de uma comunidade do que como uma qualidade de conduta pessoal.
Se, sugere ele, pudermos imaginar um Estado justo, estaremos em melhores condições para descrever um indivíduo justo. E Platão justifica essa tese com alicerces na investigação da própria vida do homem e a tentativa de perceber-lhe a vista, ou o modo como o homem encararia diversas situações a partir do meio em que vive. Se desde a infância e nos devidos moldes, é possível conceber o homem ideal, puro, incorruptível e distante da injustiça e do vício.
Adentrando no diálogo a respeito da questão ética, seria naturalmente propício credenciar e honrar aqueles homens mais sábios, os filósofos, para o alto comando da cidade. Questiona-se a utilidade do filósofo na sociedade, e com isso Sócrates (Platão) argumenta prolixamente que só assim são vistos pelo fato de não ocuparem o posto que lhes é devido. Os chefes deveriam ser, naturalmente, os homens mais sábios.
E quais as características inerentes a tal homem? “Um homem regrado, desprovido de avidez, baixeza, arrogância e covardia” (194) não poderia ser injusto. E vai além: “quando quiseres distinguir a alma filosófica daquela que não o é, observarás, a partir dos primeiros anos, se ela se mostra justa e branda ou feroz e intratável”. (194)
Um dos maiores problemas na questão da teoria do conhecimento, para Platão, e a mais grave acusação que se faz contra a Filosofia provém justamente daqueles que dizem-se filósofos sem, fatualmente, sê-lo. E são estas figuras que estão presentes nas mentes dos ‘inimigos’ da filosofia, quando imaginam, (como Adimanto admite no diálogo), que os filósofos não são mais que gente “perversa” e que “os mais sábios são inúteis”. (198) A partir da perversidade da grande parte entre os falsos filósofos, Sócrates se dispõe a provar que tais exemplos não se tratam, de maneira alguma, de filósofos.
A partir da noção do caráter naturalmente nobre e bom, já identificado por Sócrates, guiado pela verdade, que sob todos os aspectos e sob qualquer pena, almejar-se-ia nada mais nada menos do que a verdade em si. Usando de impostura, jamais participar-se-ia da verdadeira filosofia.
Para defender-se, Sócrates alega que “(...) o verdadeiro amigo da ciência não se detém na multidão de aspectos das coisas transitórias, das quais somente pode ter um conhecimento incerto e precário, mas vai além e busca, com vigor e aplicação, penetrar a essência de cada coisa com o elemento da sua alma a que compete fazê-lo; em seguida, tendo-se ligado e unido, por uma espécie de himeneu, à realidade autêntica e tendo engendrado a inteligência e a verdade, atinge o conhecimento do ser e a verdadeira vida, encontra aí o seu alimento e a calma para libertar-se enfim das dores do parto, das quais por nenhum outro meio se poderia livrar”. (198-199)
Além de tudo, há de se perceber – segundo Sócrates, no temperamento filosófico que tendo como guia a verdade e não a hipocrisia dos sofistas – que liberta-se do coro dos vícios, que rege a injustiça. Ao contrário, a verdade acompanha pureza e a justiça, que por sua vez é seguida pela moderação.
Além de combater os falsos filósofos, enumerar-se-ia novamente as outras virtudes que compõem o temperamento filosófico, tais como a coragem, a grandeza da alma, a facilidade em aprender e a memória. Além destes ‘pré-requisitos’, afastaria também do pensar verdadeiro os atributos “da beleza, riqueza e (...) todas as vantagens desse tipo”. (200)
Na obrigação de introduzir novos costumes e crenças, o povo continuaria sendo hostil com os filósofos na medida em que afirmar-se-ia que a sociedade ideal propõe uma completa alteração em seus costumes e crenças, desde essa pronta geração, para que tenha um êxito inicial, que permitisse fidelidade às gerações futuras? No desenrolar do diálogo, conclui-se que não o será, desde que haja a compreensão.
E o plano desenrolar-se-ia “começando por considerar o Estado e os caracteres humanos de seus cidadãos um pano que (...) tentarão limpar com escrúpulo, o que não é nada fácil (...) não quererão ocupar-se de um Estado ou de um indivíduo para lhe dar apenas leis, senão quando o tiverem recebido imaculado ou tornado imaculado eles próprios”. (211) Recorre-se, portanto, à arte do convencimento, sob uma proposta de forte apelo religioso no intuito de alcançar tais objetivos.
Em relação à divisão do mundo cognoscível, teria a alma como a primeira parte desse segmento, que é obrigada a estabelecer suas análises partindo de hipóteses, seguindo um caminho que a leva a uma conclusão. No segundo segmento, a alma parte da hipótese para chegar ao princípio absoluto, sem lançar mão das imagens, como no caso anterior, e desenvolve sua análise servindo-se unicamente das idéias.
O objeto sensível, que parte das figuras, pertencem à classe do cognoscível, e para reconhecê-los a alma é obrigada a recorrer às hipóteses, servindo-se destas como de imagens dos mesmos objetos que produzem sombras no segmento inferior e que, em relação a essas sombras, são tidos e considerados como claros e distintos.
O que Platão entende por segunda divisão do mundo cognoscível é aquela que a razão alcança pelo poder da dialética, considerando suas hipóteses, isto é, pontos de apoio para se elevar até o princípio universal que já não admite hipóteses. Na medida em que se atinge esse princípio, apegar-se-ia também a todas as suas conseqüências à última conclusão, “sem recorrer a nenhum dado sensível, mas somente às idéias, pelas quais procede e às quais chega”. (223)
Por conseguinte, em “A República”, Sócrates pede a Glauco que aplique as quatro operações da alma: a inteligência à seção mais elevada, o conhecimento discursivo à segunda, a fé à terceira, a imaginação à última. Platão, desta forma, sistematiza hierarquicamente superiores as operações que ele considera mais produtivas em relação à verdade.