“Algumas pessoas pensam que a moralidade está fora de moda. Vêem-na como um sistema de irritantes proibições puritanas cuja função básica seria a de impedir que as pessoas se divirtam. Os moralistas tradicionais se colocam como defensores deste tipo de moralidade, mas, na verdade, o que fazem é defender um código específico de moralidade. Permitiu-se que se apropriassem desse campo a tal ponto que, quando um jornal traz estampada uma manchete nestes termos: BISPO ATACA DECADÊNCIA DOS PADRÕES MORAIS, nossa expectativa é que ele esteja se referindo à promiscuidade, homossexualidade, pornografia e coisas do gênero, e não às quantias irrisórias que destinamos à ajuda internacional às nações pobres, nem à nossa irresponsável indiferença para com o meio ambiente de nosso planeta”.
SINGER, Peter. Ética Prática. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
Singer é um ferrenho defensor da dessacralização do homem, portanto faz questão de assinalar, no capítulo específico sobre a Ética em geral, que o que a ética não é, para apenas depois de analisar os erros históricos, definir a natureza da ética e da moralidade livre de influências institucionais que brigam, na verdade, por um código de ética específico que nada tem a ver com filosofia.
Em Ética Prática, Singer parte de princípios em que valores religiosos simplesmente não podem ser levados em consideração. Para um estudo coerente, devemos refutar códigos específicos de ética e buscarmos a ética como um comportamento universalizável. O sexo, por exemplo, não coloca nenhuma questão moral específica. Portanto, a primeira coisa que a ética não é pode ser definida como uma série de proibições ligadas ao sexo, ainda que outras decisões que relacionam-se com o sexo indiretamente, como honestidade e prudência sejam alvo de um pensamento moral.
O juízo do que é bom ou mau passa ao largo da religiosidade, uma vez que ele é humano. Platão já resolveu esse problema há dois milênios, quando argumentou que “se os deuses aprovam algumas ações, isso deve ocorrer por tais ações serem boas”; portanto, não é pela aprovação dos deuses que se tornaram boas – o juízo é nosso. Alguns teístas modernos tentaram resolver esse problema ao sustentar que, se Deus é bom, aprova o auxílio e desaprova a tortura, mas o que estão querendo afirmar com “Deus é bom”? Que Deus é aprovado por Deus?
Tradicionalmente, a ligação entre religião e ética estava no fato de se pensar que a religião oferecia uma razão para fazer o que é certo. Os “bons” seriam recompensados, mas nem mesmo pensadores religiosos, como Immanuel Kant, cristão devoto, pensavam assim. Kant zombava de tudo que lhe cheirasse código moral por interesse próprio. Devemos obedecer-lhe, dizia Kant, por seus próprios méritos.
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