segunda-feira, 8 de novembro de 2010

A República, Livro X

A crítica aos artistas e seu critério para tal
Sócrates – personagem que encarna o pensamento de Platão – inicia o diálogo criticando os poetas trágicos e recriminando a poesia imitativa. A partir da distinção dos elementos da alma, ele não admite quaisquer obras nesta feição.
Sócrates argumenta que, sem conhecer o que elas (as obras) são realmente, ou seja, sem o que ele denomina “antídoto”, causam mal e arruínam a alma daqueles a que as obras chegam ao conhecimento. Esse desfecho não espanta, haja vista que durante o desenrolar da cidade imaginária platônica, as obras artísticas em geral seriam totalmente moldadas pelo Estado, o que contribuiria para que os homens fossem influenciados desde a infância para uma alma justa e pura.
Sócrates, com muito pesar, admite que por mais belas que sejam as obras dos poetas trágicos, inclusive por ele admirados desde cedo, na figura do que lhe parece ser o ‘chefe’ da tragédia – Homero – é com a verdade que é urge ter compromisso e sendo assim ele não hesitaria em buscá-la.
Apoiando-se no seu Mundo das Idéias, Platão exemplifica a questão, alegando que há um objeto original, que nos foge ao sensível, e os homens que são capazes reproduzem uma cópia desses objetos. Especificamente, por exemplo, uma cama: há uma única forma de cama, mas há um sem-número delas. Noutras palavras, a forma, em si mesma, foge à competência do carpinteiro. Essa distinção refere-se ao que é a cama, em relação a uma cama em particular. O carpinteiro, artesão ou qualquer outro trabalhador é incapaz de fazer o objeto real, mas sim, algo que se assemelhe a este.
A cópia seria algo obscuro, quando comparada ao objeto real. Baseando-se em exemplos como estes, ‘Sócrates’ procura descobrir o que pode ser o imitador. A primeira espécie de cama seria criada por Deus, e a segunda espécie de cama seria criada pelo marceneiro. E ainda há uma terceira espécie de cama, a criada pelo pintor (imagem). Assim, o pintor, o marceneiro e Deus são três que presidem à forma destas três espécies de camas. Ou seja: Deus é o criador verdadeiro da cama real, o marceneiro é o obreiro da mesma e o pintor é o imitador daquilo que os outros dois são os artífices.
Assim, sendo o pintor o imitador e afastado em três graus da natureza real, o autor de tragédias, se é um imitador, estará por natureza afastado três graus do rei e da verdade, assim como todos os outros imitadores.
Sócrates raciocina que a aparência de um objeto é diferente de acordo com o ponto de vista, já que o ponto de vista é apenas a vista de um ponto. Sendo assim, o pintor, ao imitar a aparência, está absolutamente longe da verdade; e “se modela todos os objetos, é porque respeita apenas a uma pequena parte de cada um (...)”.
Por fim, o tal homem conhecedor de todos os ofícios, que é capaz de fazer tudo o que os outros fazem, e com igual ou mais exatidão do que qualquer outro, pode ser perfeitamente alcunhado de charlatão, pois nada mais é do que um imitador. O homem que acreditar nesse charlatão pode ser considerado ingênuo, por ter-se iludido e ter sido incapaz de distinguir a ciência, a ignorância e a imitação.
Considera-se agora a tragédia – cujo Homero é o pai – repleta de imitadores, ainda que “certas pessoas” os julguem de multi-talentosos, versados em todas as artes, e em tudo no que concerne à virtude e ao vício e até nas coisas divinas. Também dizem esses leigos que é necessário que o poeta conheça profundamente do assunto de que trata, pois do contrário nada poderia criar. Procede que essas pessoas acabaram tendo sido enganadas, quando observa-se que estão afastadas a três graus do real.
Contudo, Homero não prestou serviços públicos, em momento algum esteve frente à educação deixando algum levado de, por exemplo, uma ‘vida homérica’, assim como o fez Pitágoras. Sócrates toma como princípio que todos os poetas, assim como Homero, são simples imitadores das aparências da virtude e de todos os assuntos de que tratam, mas que não atingem a verdade. Enfim, “o criador de imagens, o imitador, não entende nada da realidade, só conhece a aparência”. (328-329)
Aprofundando a análise, Sócrates fala sobre as artes que correspondem a cada objeto: a) uso; b) fabricação; c) imitação. E o objetivo da beleza e da perfeição de um móvel, de qualquer animal, de uma ação seria tão-somente a sua utilidade, objetivando a necessidade pelo qual cada coisa teria sido feito, seja pelo homem ou pela natureza. A partir desse raciocínio, Platão dá sentido às coisas.
Sócrates ousa permitir até mesmo que não mais os poetas, mas seus defensores, amantes da poesia, falem sobre ela em prosa e prove que não é somente agradável, mas também, útil, ao governo dos Estados e à vida humana. E anseia, ironicamente, que ouvirá com boa vontade, de gosto que alega que será “bastante proveitoso” para todos se ela não só revelar-se agradável, mas também, útil.
Todavia, Sócrates se refere à poesia comumente versada nos Estados, e que foge àqueles moldes de sua República, na qual a poesia existiria por amor e serviria como instrumento de instrução, tendo assim um papel fundamental na formação do jovem, conduzindo-o à virtude e à justeza, através da manifestação da verdade.

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