segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A República, Livro VIII

As formas de governo
Na busca de uma organização perfeita, ter-se-ia nessa cidade uma comunidade das mulheres, a comunidade dos filhos e de toda a educação, assim como a das ocupações em tempo de guerra e de paz, e serão soberanos os que se revelarem os melhores como filósofos e como guerreiros.
Foi também estabelecido que após as nomeações, os chefes deverão conduzir e instalar os soldados em suas casas comunitárias, sendo imperativo também não esquecer a regra dos bens em relação aos soldados.
Estes soldados receberiam uma espécie de salário – o suficiente para manterem-se durante um ano – e deveriam zelar pela segurança, a deles própria, e do resto da cidade; além de, caso necessário, fazer com que as leis se apliquem à base de suas forças.
Esgotando-se a divagação a respeito de Estado, supor-se-ia que este modelo pensado era bom e os outros eram maus, e que os homens nesse estado imaginário também assim o seriam, frutos de dedicada instrução. As outras formas de governos seriam falhas, posto que a proposta por Sócrates era boa.
Sócrates teria dito que, entre as outras formas de governo, haveriam quatro espécies dignas de atenção, e observar-se-ia através delas, em quais os homens seriam mais felizes ou mais infelizes, de modo que este termômetro baseado na satisfação populacional pudesse julgar o próprio mérito do sistema adotado em cada cidade.
Sem pestanejar às perguntas de Glauco, Sócrates prontamente cita as formas de governo de que falava: a primeira seria o governo “muito elogiado” (258) de Creta e da Lacedemônia, O segundo seria a oligarquia, que, nas palavras do grande filósofo, ‘só se louva em segundo lugar’ e é detentora de ‘vícios vários’. O terceiro, e em oposto ao último, viria a Democracia e, por fim, a Tirania, que se contrapunha a todos os outros e seria a “quarta e última doença do Estado”. (258)
Sócrates (Platão) credita as monarquias hereditárias, os principados venais e os governos semelhantes a nada mais que meras formas intermediárias e não só encontrar-se-iam entre os gregos, mas também entre os bárbaros.
Sócrates assegura que todas as formas de governo provêm do caráter de quem os faz e quem os mantêm, além dos costumes dos próprios cidadãos que habitam nas cidades em que essas tantas formas de governo são implementadas. Daí, conclui Sócrates, se existem cinco espécies de cidades, também assemelhar-se-iam delas os caráteres das almas de seus indivíduos.
A proposta de Sócrates é observar, dentre estas formas de governo, qual seria a mais justa e a mais injusta, e a partir daí fazê-las oposição, para a análise de felicidade ou infelicidade de seus cidadãos.
O próximo passo seria analisar os homens de cada governo; ao “governo da honra”, Sócrates chamou-lhe “timocracia”, depois a oligarquia, em terceiro lugar a democracia, e por fim, procurar considerar a tirania e a alma do tirânico.
Sócrates percebe que as constituições das cidades modificam a partir de quem está no poder, e há de se analisar de que maneira se passa da aristocracia para a timocracia. Pondera-se a possibilidade da discórdia entre os guardiões da cidade imaginária e através de que meios isso poderia acontecer.
É interessante notar que o próprio Platão reconhece que mesmo sendo o seu Estado exeqüível e mesmo admitindo que tal Estado dificilmente esfacelar-se-ia, admite que tudo o que nasce é passível de corrupção e sentencia que também esse sistema de governo não durará eternamente.
Platão admite que, por mais sábios que sejam os chefes de tal cidade, “não conseguirão nada pelo cálculo unido à experiência”, (260) e isso seria independentemente das gerações futuras. Estas coisas escapar-lhes-iam, e o controle de natalidade por certo em algum ponto da história sucumbirá. Para Platão, o sustento da excelência da prole da cidade só dar-se-ia com o nascimento dos mais apropriados para as tarefas e, “quando os (...) guardiões, não (...) conhecendo [a importância destas regras], unirem moças e rapazes fora de propósito, os filhos que nascerem desses casamentos não serão favorecidos nem pela natureza nem pela fortuna”. (260) Os antecessores à estes até colocariam tão-somente os melhores à cabeça do governo, mas ao passar das gerações isso perderia a importância. E os então guardiões, apesar de seu status, não honrariam as tradições inicialmente planejadas, como a música e a ginástica. Em suma, as novas gerações seriam incultas, ou bem menos cultas.
Esses novos chefes não seriam capazes de zelar pela força e harmonia do Estado, esquecer-se-iam dos valores do ouro, prata, bronze e ferro. E da mistura destes metais, resultaria inconveniência, irregularidade e desarmonia, que por sua vez, engendraria guerra e ódio. Estes chefes seriam cobiçosos de riquezas, como os cidadãos dos estados oligárquicos, adorarão com paixão e “às ocultas, o ouro e a prata, porquanto terão armazéns e tesouros particulares, onde as suas riquezas estarão escondidas, e também habitações protegidas por muros, verdadeiros ninhos privados, nas quais gastarão à larga com mulheres e com quem muito bem lhes apetecer”. (262) O Estado perfeito já estaria sob risco.
Talvez essa ‘premonição’ platônica seja de fato uma prevenção, para que, se por ventura seu Estado de fato existisse, coexistiria uma vacina para os eventuais males que poderiam causar a deterioração de seus valores; para que os novos chefes, de gerações posteriores, não permitissem a displicência na vigilância de tais princípios.
Continuando sua análise sobre o comportamento dos indivíduos em determinados regimes, Sócrates menciona sobre a natureza do cidadão timocrático: tais homens seriam cobiçosos de riquezas, amantes de honrarias e, durante a mocidade, um homem assim poderia até desprezar as riquezas, mas com o decorrer do tempo esses valores inverter-se-iam, por que sua natureza incita-o à avareza e a sua virtude não é pura. A imagem do jovem ambicioso é a imagem do governo timocrático.
Já na oligarquia, essa tratar-se-ia de um governo fundamentado no recenseamento, em que os ricos mandam e o pobre não participa do poder. A passagem da timocracia para a oligarquia parte da desobediência das próprias leis timocráticas. Deturpar-se-iam as leis, quando descobrir-se-iam os motivos de despesas e fariam por satisfação. E a assim a massa segue estes pioneiros por conseguinte. Sócrates conclui que, quando a riqueza e os homens ricos são honrados numa cidade, a virtude e os homens virtuosos são tidos em menor estima. O comando da cidade é executado não pelo melhor, mas pelo mais rico e influente. Disto procede uma cidade não una, mas dupla: a dos ricos e a dos pobres.
Da oligarquia à democracia, diz o filósofo, transmuta-se pelo efeito da insaciável cobiça do indivíduo de possuir os bens e tornar-se tão rico quanto possível. Os chefes democráticos devem sua autoridade aos grandes bens que possuem. Dessa forma, recusam-se a elaborar leis que reprimam a ‘libertinagem’ dos jovens, de forma a manter seu patrimônio, haja vista que anseiam por mais riqueza e poder. Fatualmente, conclui-se que temperança e riqueza não podem coexistir num único indivíduo.
A democracia é “provavelmente” (274) seria o mais belo de todos os governos. Os cidadãos dessa cidade organizariam suas vidas como melhor lhes conviriam, de modo que nestas cidades há cidadãos de toda espécie: comerciantes e mendigos, homens bons e maus. Sócrates admite que “quem pretende fundar uma cidade, (...) é obrigado a dirigir-se a um Estado democrático, como a um bazar de constituições, para escolher a que prefere e, a partir desse modelo, realizar em seguida o seu projeto”. (274)
Concomitantemente a esse conceito, Sócrates argumenta que uma sociedade democrática não poder-se-ia praticar a justiça, posto que uma criança nascida fora das bases de sua cidade planejada, a não ser que fosse dotada de excelente caráter, invariavelmente se inclinaria para o caminho dos vícios e na base da injustiça, por intermédio da competição e da falta de unidade que se observa numa cidade democrática.
Resta então, aos bravos desbravadores da República, divagar a respeito da tirania. Sócrates coloca em evidência a origem democrática da tirania e ressalta que a passagem da democracia à tirania é semelhante à passagem da própria oligarquia à democracia. O desejo insaciável da liberdade, por parte dos comandantes outrora democráticos, aliada à indiferença por todo o resto os obrigaria a recorrer à tirania.

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