terça-feira, 5 de outubro de 2010

A República, Livro V

A procriação dos filhos e o tipo de ensinamento ministrado aos mesmos

A problemática em relação às mulheres e aos filhos começa de forma polêmica. Adimanto exige explicações sobre como seria essa comunidade de mulheres, pede que Sócrates lhes fale sobre a procriação dos filhos e de todo o processo que envolve essa questão a ser discutida.
Urgia pensar numa solução para esta questão delicada, principalmente a despeito da pressão exercida conjuntamente por Adimanto, Glauco e agora, Trasímaco, a respeito do assunto. Era unânime que a resolução no que concerne a tais investigações trariam importantes conseqüências.
Seguindo os raciocínios anteriores, para homens de educação tal como foi descrita, não existiria de fato “posse” dos filhos e das mulheres senão pelo caminho já apresentado a priori. “Pois, de certa maneira, procuramos fazer deles os guardiões de um rebanho”. (152)
Às mulheres, caberia o mesmo tipo de educação reservado aos homens, para que também elas obtivessem desempenho satisfatório em seus serviços em outras fases da vida. Assim como aos homens, às mulheres seriam ministradas aulas de música e ginástica, além da arte da guerra, mesmo admitindo que o corpo da mulher não seria o mais adequado para o exército.
Assim como os homens sobrepujariam as mulheres em diversas funções, as mulheres superiorizariam-se aos homens em tantas outras atividades, como, por exemplo, a tecelagem, a confeitaria e a cozinha. Porém, não haveria de fato nenhuma atividade na comunidade que não pudesse ser executada absolutamente por nenhum homem ou nenhuma mulher; “ao contrário, as aptidões naturais estão igualmente distribuídas pelos dois sexos e é próprio da natureza que a mulher, assim como o homem, participe de todas as atividades, ainda que em todas seja mais fraca do que o homem”. (157)
Sócrates alega que uma cidade com os melhores homens e as melhores mulheres seria invejável, além do que estabelecer-se-ia uma lei que não somente seria palpável, mas desejável para a cidade. Contudo, nos serviços militares, aplicar-se-iam às mulheres apenas os trabalhos mais leves, devido à evidente fraqueza de seus músculos.
Em “A República”, Platão assim escapa de uma problemática de forma sutil, porém uma onda ainda mais turbulenta está para chegar. E assim, Sócrates anuncia – desta vez sem maiores receios: “Todas as mulheres dos nossos guerreiros pertencerão a todos: nenhuma delas habitará em particular com nenhum deles. Da mesma maneira, os filhos serão comuns e os pais não conhecerão os seus filhos e nem estes os seus pais”.
Diante dos protestos de Glauco, Sócrates reconhece a dificuldade da execução de tal plano. Ainda assim, pensa nisso como um bem considerável. Desta forma, assegurar-se-ia a irmandade anteriormente planejada: só assim todos de fato poderiam considerar-se irmãos como numa só carne, visando a apenas o bem em comum e a harmonia do todo, sendo todos os habitantes, quase que literalmente, frutos de própria cidade e brotando de sua própria terra.
As crianças, à medida que fossem nascendo, seriam entregues aos homens e mulheres encarregados de cuidar delas, sendo dos dois sexos tal responsabilidade. Estes encarregados levariam os filhos dos indivíduos da elite a um lar comum, onde seriam confiados a amas que residem à parte. Para os filhos dos indivíduos ditos “inferiores”, e mesmo os dos outros que tivessem alguma deformidade, seriam levados a um tal “paradeiro desconhecido e secreto”. Para que o número de cidadãos do Estado permanecesse imutável, Platão chegava a admitir o infanticídio como controle de natalidade.
Cuidar-se-ia também da alimentação das crianças: levariam as mães ao lar comum, na época em que seus seios estivessem repletos de leite, e de tudo se faria para que nenhuma delas reconhecesse a sua própria prole.
Para que a cópula ocorresse no que o filósofo considerava “ a flor da idade”, o homem teria dos 25 aos 55 anos para a procriação, enquanto a mulher teria dos 20 aos 40 anos para esta tarefa. O que acontecesse fora desse parâmetro e sem a aprovação do magistério seria considerado libertinagem e injustiça, seria considerado como um fruto das trevas pelos sacerdotes e sacerdotisas.
Estas leis – aparentemente absurdas – seriam os alicerces de uma sociedade que uniria todos os cidadãos como numa só família. A comunidade das mulheres e dos filhos estabelecida entre os guerreiros representava uma comunhão de interesses que, por conseguinte, seria o maior bem da cidade.
A escravatura ser-lhes-ia permitida, desde que se escravizassem povos bárbaros. Haveria uma proposta (e a julgar pela facilidade com que é a aprovada no diálogo, seria prontamente aceita pelas outras cidades) de que os povos gregos só poderiam escravizar os não-gregos, devido ao “medo de cair na servidão dos bárbaros” (175)
         Chama atenção a solução platônica, representada pelos personagens do diálogo, para os supostos “enfermiços” sem solução, aqueles que teriam a “alma perversa por natureza”, supostamente incorrigíveis: estes seriam condenados à morte. Nesta ‘cidade perfeita’ de Platão só há espaço para os bens constituídos de corpo e alma, que enquadrem-se no perfil e no papel pré-estabelecido pelo sistema para si. Em prol da cidade, esquece-se do indivíduo.

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