segunda-feira, 27 de setembro de 2010

A República, Livro IV

Tema: Caracterização da cidade e conceito de classe
A caracterização da cidade platônica tem conceitos bem interessantes e distintos em relação à sua época. Há um quê de manipulação por parte dos eventuais chefes, posto que Sócrates dialoga amiúde sobre “convencimento”, ou seja, há por trás desse modelo ideal uma supostamente nobre atitude farsante para o bem da comunidade.
A cidade não visa grande aglomerações; visa sua unidade através de um número ideal de habitantes que não seja capaz de pôr em xeque suas estruturas, tanto ideológicas quanto sociais. Só numa cidade assim, concluem eles, poderia exercer-se a justiça.
Considera-se a cidade como um todo, dando a cada classe o que lhe convém, a fim de, a partir daí, obter-se um conjunto harmonioso. Deste conceito, elabora-se uma visão atípica e até pioneira no mundo grego em que viveu Platão: tanto a riqueza quanto a pobreza seriam responsáveis pela corrupção do cidadão, e então caberia aos guardiões a extrema e permanente vigilância para que cada um só obtenha aquilo que lhe é de praxe.
Combater-se-ia tudo o que viesse a ser “novo”, seria uma sociedade estática. Dessa forma, manter-se-ia uma cidade de valores sólidos, de forma que seus novos cidadãos não questionariam as estruturas das quais a cidade teria se firmado. Nada poderia abalar as regras pré-estabelecidas.
O próprio sistema educacional preservar-se-ia de toda e qualquer alteração, a instrução teria que ser permanente e imóvel. Dessa forma, criar-se-ia bons caracteres, e os homens honestos que teriam recebido essa educação tornar-se-iam cada vez melhor em relação àqueles que os precederam.
Sob toda essa ótica, está a figura de Deus – ou dos deuses, já que as expressões variam durante o diálogo – que através das fábulas acobertaria todas as leis e concederia o mérito de permanecerem intactas as leis enumeradas.
Adentrando mais a fundo no próprio conceito de classe apresentado, percebe-se que é baseado na forma como a cidade é constituída; cada classe contentar-se-ia com seu mérito haja vista que seu bronze, sua prata ou seu ouro lhe foi concedido por Deus e está intrínseco à própria alma.
À esse Deus caberia a honra do estabelecimento das leis divinas, no que se refere à construções de templos, aos sacrifícios dos deuses e heróis, ao enterro dos mortos e “às cerimônias que nos tornam as suas almas propícias”. (124)
Acalentaria o destino de que, por todos os habitantes serem vistos como parte de uma só coisa, vir-se-iam como verdadeiros irmãos, portanto suas instruções os fazem incapazes de infringir qualquer dano ao irmão, que ostenta, tal qual si próprio, a honra de pertencer àquela terra que lhes deu a vida e guiará os passos de seus descendentes.
Nesta cidade, haveria ciência de toda espécie. Mas não seria pela ciência dos carpinteiros, ferreiros, agricultores, e demais classes que a cidade seria sábia e prudente em suas deliberações, mas sim sobre o seu próprio conjunto. E esta ciência “é a que tem por objeto a conservação do Estado e encontra-se nos magistrados a que há pouco chamávamos de guardiões perfeitos”. (126)
Na classe menos numerosa – a dos magistrados – e na ciência que nela reside, estariam as cabeças que governariam a cidade, fundada segundo sua própria natureza. Estes homens seriam raros e só a eles estaria apropriada a tarefa para praticar uma ciência única dentre as outras: a sabedoria.
Todavia, ainda muito divagar-se-ia a fim de encontrar a virtude da temperança, a moderação necessária para o bem e o belo. E deu-se que a temperança, outra coisa não seria senão o domínio dos próprios prazeres e paixões. Na expressão freqüentemente utilizada por Sócrates, tanto o cidadão como a plena cidade deveria ser senhor/senhora de si mesmo/mesma. E assim encontrar-se-ia vestígios dessa virtude.
Já têm-se, assim, três virtudes que foram descobertas na cidade elaborada: sabedoria, coragem e moderação “para os chefes; coragem e moderação para os guardas; moderação para o povo”. Restaria, enfim o objeto de toda a pesquisa dos personagens que engendram a República platônica, a última e fundamental virtude que justificaria toda essa busca: a justiça.
Sócrates reconhece que o conceito de justiça já não está mais tão distante, após tanta perseverança para encontrar as virtudes desde a cidade, para a partir dela, chegar-se ao homem. Afinal, o princípio que estabeleceu-se para que “fundassem” a cidade e que deveria sempre ser observado, seria a justiça.
O próprio princípio evocado, de que cada um faria o que fosse de sua competência, sem interferir nos outros, já seria um ato de justiça. Assim, esse princípio que ordena que cada um desempenhe sua própria função poderia denominar-se justiça.
O complemento das virtudes encontradas na cidade, assim como foram examinadas durante o diálogo, como moderação, coragem e sabedoria, foram elementos que produziram o embrião da justiça, que complementaria as virtudes já encontradas.
Quanto à injustiça, esta seria uma “sublevação dos três elementos da alma, uma confusão, uma usurpação das suas respectivas tarefas, a revolta de uma parte contra o todo para conquistar uma autoridade à qual não tem direito, visto que sua natureza a destina a obedecer àquela que foi gerada a governar, (...) é dessa perturbação e dessa desordem que se origina a injustiça, a intemperança, a covardia, a ignorância, enfim, todos os vícios”. (146)
Através dos moldes estabelecidos, a justiça significaria manter apenas os bens que pertencem a cada cidadão, e em exercer unicamente a função que lhes seriam apropriadas. O homem proveniente de uma cidade justa, invariavelmente praticaria a justiça também durante a sua vida.

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