segunda-feira, 13 de setembro de 2010

A República, Livro II

Tema: A felicidade do homem justo
Personagens: Sócrates, Glauco e Adimanto.

A discussão anterior, aparentemente resolvida, revelou-se um prelúdio de outras questões que buscaram aprofundar o entendimento acerca da vantagem da justiça sobre a injustiça, já que Glauco, apesar de revelar concordar com Sócrates, permanecia ainda bastante confuso pelo peso dos argumentos a favor de uma vida injusta.
Glauco, pois, decidiu fazer o papel de Trasímaco, para que assim Sócrates pudesse convencê-lo de fato a respeito das virtudes da justiça.
Glauco observa três espécies de bens: o primeiro o qual se busca sem esperar conseqüências; o segundo trata-se de bens que ama-se por si mesmos, como o bom senso ou a visão. Já o terceiro trata-se de bens dos quais se busca um retorno direto, como uma profissão lucrativa.
Sócrates discorda da maioria dos homens, pois cria na “mais bela (...), na dos bens que, por si mesmos e por suas conseqüências, deve amar aquele que quer ser plenamente feliz”. (42)
Glauco, então insatisfeito com os argumentos de Sócrates a Trasímaco, procura entender o que geralmente se entende por justiça e qual sua origem; que aqueles que praticam-na não o fazem por vontade própria; que têm razão para agirem assim, dado que a vida do injusto, a priori, é muito melhor que a do justo.
Dentre os rodeios de que Glauco aborda o assunto, comenta sobre o senso comum de que é bom cometer a injustiça e mau sofrê-la. A origem da essência da justiça situar-se-ia em cometer impunemente a injustiça e sofrê-la quando se é incapaz de vingança.
Entre os extremos opostos expostos por Glauco, a justiça é vista como falta de opção e não como um bem em si mesma. Glauco sustenta que, tendo o justo a oportunidade e o poder de cometer injustiças, ele não hesitaria, ou seja, ninguém seria justo por vontade própria.
O injusto, na argumentação de Glauco, é capaz de reverter-lhe uma situação desfavorável, se quer ser superior na injustiça, além do que o lado mais extremo da injustiça seria dissimulado, ou seja, parecer-se-ia justo não o sendo.
Já o justo precisaria ser despojado de tudo – exceto da própria justiça – e que se faça dele o oposto do anterior. Sua virtude seria posta à prova, não se deixando enfraquecer por uma má fama e suas conseqüências.
O desenvolver argumentativo de Glauco é tal que deixa o próprio Sócrates sem palavras para defender a justiça. Neste cenário, aparece a figura de Adimanto, que amiúde evoca a relação entre homens e deuses na sua defesa da justiça: “Todos esses discursos, amigo Sócrates, e muitos outros que se fazem sobre a virtude, o vício e a estima que lhes dedicam os homens e os deuses, que efeito cremos que produzam na alma do jovem dotado de bom caráter que os ouve e é capaz, saltando de uma opinião à outra, de extrair daí uma resposta a esta pergunta: o que se deve seguir para atravessar a vida da melhor maneira possível?” (pág. 49)
Adimanto, contudo, solicita de Sócrates que não se atenha tão-somente na prova de que a justiça é superior à injustiça; ele pede que mostre-se os efeitos que cada uma produz por si mesma na alma onde se encontra; o que faz de uma ser um bem, e a outra, um mal.
Sócrates, tomado pelos belos discursos de Glauco e Adimanto, reconhece que pensava ter demonstrado, contra Trasímaco, a superioridade da justiça sobre a injustiça, mas percebe que tais asserções não foram suficientes aos irmãos.
Visto ser difícil buscar entender a natureza da justiça no indivíduo, Sócrates recorre ao exemplo de uma cidade imaginária para que a partir dela se descubra a semelhança com o indivíduo.
Assim, Sócrates examina o porquê do nascimento das cidades, o que há por trás do interesse dos homens, e com esse aglomerado, todas as suas conseqüências. Ele propõe, pois, que construam uma cidade em pensamento cujos alicerces serão as suas necessidades. Assim se sucede a respeito da alimentação, moradia, vestuário, etc. Para cada necessidade, haveria ao menos algum homem para provê-la. A partir daí, cada um desempenharia sua função para toda a comunidade.
Sócrates sustenta que cada cidadão deverá trabalhar de acordo com sua própria aptidão, e para sua melhor eficiência, que seja num só ofício. Produzir-se-iam mais coisas e em menos tempo quando cada um segundo suas aptidões, se entrega a um único trabalho. É sugerido, ainda, o trabalho de importação e exportação, de modo que a cidadela de alguma forma deveria produzir excedente.
Sócrates reconhece a necessidade humana para além do necessário e descobre dessa maneira a origem da guerra, “nessa paixão que é, no mais alto grau, geradora desse flagelo tão funesto para o indivíduo e a sociedade”. (60)
Para assegurar os bens produzidos, Sócrates fala sobre a questão dos guardiões do Estado, que exigiriam mais tempo livre e também mais arte e aplicação. Há de se escolher os mais habilitados, mais capacitados também para essa função, por natureza, para defender a cidade.
O guardião teria uma natureza filosófica, de temperamento irascível, que reconheça os seus e desconheça os demais, assemelhando-se a um cão fiel. Sócrates conclui que só poder-se-á admitir o homem que seja manso com seus amigos e conhecidos e, por natureza, filósofo e ávido por aprender.
Dentre os meios a que se visa atingir tal objetivo, do guardião ideal, divaga-se sobre as eventuais fábulas que lhes serão narradas desde a infância, e até mesmo a proposta de um Deus bom, que “não seja a causa de tudo, como se pretende vulgarmente; é a causa apenas de uma pequena parte do que acontece aos homens, e não o é da maior, já que os nossos bens são muito menos numerosos que os nossos males e só devem ser atribuídos a Ele, enquanto para os nossos males devemos procurar outra causa, mas não Deus”. (67-68)
Desta forma, Sócrates e Adimanto concebem duas regras em relação a esse Deus da cidade imaginária: a) Deus não é a causa de tudo, mas tão-somente do bem; b) (Os deuses) não são mágicos que mudam de forma e não nos confundem com mentiras, palavras ou atos. A partir destas regras, segundo Adimanto, extrair-se-iam outras tantas leis.
É difícil imaginar uma relação consolidada nos guardiões entre natureza filosófica e tamanha obediência e parcimônia. Talvez Platão tenha visualizado verdadeiras máquinas reprodutoras de dogmas, assim como em “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley.

2 comentários:

  1. excelente resumo do diálogo, conciso e direto, expondo muito bem a estrutura da argumentação de glauco. estava procurando algo que me esclarescesse mais o texto da república II(preciso fazer um trabalho baseado nele) e, por sorte, encontrei seu blog!
    parabéns, muito bem escrito mesmo!

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  2. Muito Bom o Resumo! Me esclareceu bastante, bem conciso... parabéns:D

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