Nem sempre uma religião é algo maléfico, destruidor e insano; também nem todo religioso é um completo alienado, como defendem alguns descrentes. Na ânsia de demonstrar um ponto de vista, pode-se perder o bom senso e isso soa extremamente arrogante.
No meu ponto de vista, a religião não se torna má, por exemplo, quando não serve de norte para as escolhas da pessoa, quando a
religião não faz com que a pessoa se contente em não entender o mundo e
ainda acredite que isso seja uma virtude, quando a religião não é
utilizada para praticar
atos antiéticos na certeza de que isso será 'perdoado aos olhos de
deus', quando a religião não sirva como imposição às crianças, que ainda
não tiveram o direito de escolher o que vão seguir na vida, quando a
religião não é utilizada para oprimir minorias, quando a religião da
pessoa em questão não é utilizada para doutrinar aqueles que têm pontos
de vista diferentes, enfim, quando a religião não tem influência direta
nas decisões da pessoa, não percebo mal algum. A religião só se torna má
quando a pessoa passa a agir baseando-se em suas crenças e é convencida
de que os valores se invertem quando se tem fé, não sendo necessário
sentido ou evidências para que se tome algo como verdade e ainda
considerar que tal situação seja algo virtuoso...
A religião também pode se tornar má quando, ao invés de doarmos os nossos excessos às instituições sérias de caridade, como a Oxfam, doamos para um pastor ou padre que usa a maior parte dos rendimentos para reinvestir na própria igreja, que muitas vezes é confundida com um negócio empresarial - com a vantagem de não pagar impostos. Em 'A vida que você pode salvar', Peter Singer, que é ateu, mostra através do princípio da igual consideração de interesses que nós temos um dever moral de colaborar com os mais necessitados, sendo a maneira mais eficiente de fazê-lo pesquisando quais são as instituições de caridade sérias e eficientes, para que o dinheiro doado seja bem empregado. Infelizmente, os religiosos em geral são convencidos de que melhorarão o mundo quando investem na própria igreja, que 'trará mais almas' para Jesus, Shiva, Buda ou Alá, ao invés de pensar em contribuir de fato e diretamente com aqueles que podem estar a milhares de quilômetros de distância e cujas dores, sonhos e anseios são tão importantes quanto qualquer outro. A doação, quando se aceita o princípio da igual consideração de interesses, se torna algo imperativo categórico e isso independe de crença em almas ou deuses.
Vejo
que o pior legado da religião são os códigos de conduta, um guia moral para a vida. Não há Ética ou Moral nas assertivas religiosas, já que a Ética é algo em contínua construção pelo exercício do princípio da razão; nas religiões, ao contrário, há um guia pronto e acabado. Os mitos, como um todo, tiveram
sua utilidade na época em que foram criados, mas tais conceitos vistos num
mundo contemporâneo em que desenvolvemos Filosofia e Ética, são por
demais primitivos. A Ética substituiu o que seria um 'ditador
universal', como diria Christopher Hitchens, que poderia punir aqueles que não agissem da maneira como
ele disse através de algum homem iluminado.
Os códigos primitivos das
mitologias seguiam os costumes de suas épocas e podem ter sido úteis
naquele tempo, mas hoje em dia soa muitas vezes como algo absurdo e fora
da realidade. Estamos na Era da Razão e é importante concebermos que na evolução do pensamento humano, a Ética cobra seu espaço.
Bertrand Russell, filósofo vencedor do Prêmio Nobel de 1950
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