Há uma harmonia nas
concepções de Peter Singer a partir da universalizabilidade e da consideração
de interesses, onde tudo se encaixa quando aceitamos as máximas que fundamentam
os seus preceitos. Tal como o estreitismo entre a questão do aborto, no autor,
como a questão da eutanásia.
A eutanásia tem sido
freqüentemente debatida hoje por conta, em grande parte, das novas tecnologias
e que, através de seus aparatos, conseguem estender a vida em estado miserável
e/ou vegetativo até as últimas conseqüências, e o objetivo disso torna-se
questionável nos casos em que manter uma vida em estado miserável só virá a
trazer sofrimento ao doente e à família, e no estado vegetativo, será somente a
família o alvo do padecimento, já que o próprio paciente já não tem qualquer
capacidade de entender o que se passa, de sentir, capacidade de discernimento,
enfim, o paciente encontra-se numa debilidade tão grande que nem mesmo mais
sofre ou tem quaisquer tipos de prazeres.
A “eutanásia”, nos
dicionários, é descrita como uma morte serena, sem sofrimentos. Há uma ligação
íntima da eutanásia, neste sentido, e o suicídio desde os tempos primórdios da
História da Filosofia. Ambos os casos estão relacionados com a autonomia
daquele agente que sofre: só ele será capaz de decidir para si entre a vida e a
morte – e nesse caso encaixar-se-ia com o conceito de “eutanásia voluntária” em
Singer.
Na História da Filosofia,
nossa concepção atual sobre “eutanásia” confunde-se com o ato do suicídio, que
é um tema que é tabu em todas as sociedades. Ainda que em casos específicos,
como o dos estóicos, ou no caso do suicídio pela honra da família, como
acontece desde os tempos primórdios da cultura japonesa, é um tema que causa
espanto e controvérsias.
Os estóicos respeitavam o
ato do suicídio. Era até recomendado para quando se pudesse decidir que a vida
não tinha mais o porquê de ser vivida. Os estóicos suportavam as adversidades
com calma e dignidade, mas também acreditavam que as circunstâncias da vida de
um homem podia se degradar a tal ponto (seja devido a uma tragédia pessoal, à
ruína e a subseqüente miséria, seja devido a uma doença dolorosa e terminal),
que um suicídio indolor se tornava a coisa mais racional a fazer. Há nesse tipo
de argumentação um paralelo óbvio com a questão da eutanásia, que ganhou novos
aspectos etimológicos à medida que a tecnologia foi avançando.
A concepção de eutanásia,
que geralmente era tolerada ou incentivada pelos antigos, por diversos motivos
como alívio da dor e até mesmo em nome da honra, vai mudando com o tempo e
coincide com o avanço do cristianismo no Ocidente e a questão da sacralização
da vida volta a ganhar destaque nesse contexto. Em geral, não há sentido simplesmente
em manter uma pessoa cuja morte é certa e a dor agonizante, viva. O paradigma
que estamos vivendo em relação ao direito à vida remonta a questão cristã do
caráter sagrado da vida humana, donde uma vida que, segundo essa doutrina, é
dada por Deus, deverá ser mantida custe o que custar, ou seja, até suas últimas
conseqüências. Acontece que os novos métodos de preservação da vida em
determinados casos terminais faz necessário o questionamento destes dogmas
religiosos, em prol do alívio do sofrimento daqueles que, amiúde, nem sequer
têm o direito de escolher entre a dor e a morte. As novas tecnologias nos
apresentam novos questionamentos a respeito de ética e moralidade – e é aí que
se encaixa a Ética Prática com todo o seu arsenal filosófico que privilegia o
pragmatismo da aplicabilidade do pensar filosófico e do pensamento lógico em
prol da vida, contudo não de forma cega e a todo custo, mas “vida” até o
momento em que haja sentido para que se denomine enquanto tal.
No Brasil, a lei sobre
esta questão se manifesta e encara como homicídio a eutanásia, o ato deliberado
de apressar o fim de quem está morrendo. Nesse jogo entre o alívio da dor e a
“tortura”, a ortotanásia, “a morte no momento certo”, é considerada omissão de
socorro e tem pena de um a seis meses de prisão. Apesar disso, a ortotanásia é
freqüentemente praticada. O médico retira os aparelhos e deixa o doente seguir
o seu curso de morte. Trata-se do modo mais comum de morrer nas UTI’s
pediátricas do Brasil, como verificado em dois estudos publicados em março de
2005 pela Revista Brasileira de Pediatria,
sobre 167 casos ocorridos em 2002 nas principais UTI’s pediátricas do Rio
Grande do Sul e de Minas Gerais. Estes estudos mostram que pelo menos 36% das
crianças morreram após a “limitação do suporte de vida”, expressão que reúne
decisões como não entubar, não reanimar e até tirar o suporte vital.
O estudo observou que
pelo menos 30% desses casos são omitidos ou reportados contraditoriamente nos
hospitais. Mas há quem veja na própria legislação fundamentos para apressar a
morte quando o tratamento só prolonga o sofrimento. O 1º artigo da Constituição
assegura a dignidade da pessoa humana, e esse direito deveria ser estendido até
os últimos momentos – é o que alega, por exemplo, Lívia Pithan, professora de
Direito da USP.
Hoje em dia é que o termo
“eutanásia” é utilizado para referir-se à morte daqueles que estão com doenças
incuráveis e sofrem de angústia e dores insuportáveis. É uma ação praticada em
benefício dos doentes e tem por finalidade poupar-lhes a continuidade da dor e
do sofrimento. Singer inclui, porém, pessoas sem capacidade de decisão, onde a
medicina aponta para uma vida de dor e privações caso estendida. Há três tipos
de eutanásia. Ei-los:
- Eutanásia voluntária;
- Eutanásia involuntária;
- Eutanásia
não-voluntária.
A eutanásia voluntária é
quando o próprio paciente em questão tem ainda condições de pedir pela própria
morte. A maior parte dos grupos que brigam por mudanças legais em relação à
eutanásia referem-se à esse método¹.
Na eutanásia
involuntária, a pessoa morta tem condições de consentir com a própria morte,
mas não o faz, tanto por que não lhe perguntaram se quer morrer quanto por que
lhe perguntaram, e ela quer continuar vivendo. Há uma diferença entre matar
alguém que prefere continuar vivo e matar alguém que não consentiu ser morto,
mas que, se perguntado, teria dado o seu consentimento.¹
Matar alguém que não
consentiu ser morto só pode ser apropriadamente visto como eutanásia quando o
motivo da morte é o desejo de impedir um sofrimento intolerável da pessoa
morta. Os casos autênticos de eutanásia involuntária são os menos comuns,
todavia.
Essas definições abrem
espaço para um terceiro tipo de eutanásia. Se um ser humano não é capaz de
compreender a escolha entre a vida e a morte, a eutanásia não seria nem
voluntária nem involuntária, mas não-voluntária. Dentre os incapazes de dar o
seu consentimento estariam incluídos os bebês que sofrem de doenças incuráveis
ou com graves deficiências e as pessoas que, por motivo de acidente, doença ou
velhice, já perderam para sempre a capacidade de compreender o problema em
questão, sem que tenham previamente solicitado ou recusado a eutanásia nessas
circunstâncias.¹
Superficialmente, o
direito de morrer se basearia no princípio de autonomia, onde toda pessoa tem o
direito de tomar decisões acerca da própria vida. A publicação filosófica
“Ciência & Vida – Filosofia”, nº 38, cuja capa estampa “Eutanásia” em
destaque, cita que “para Nietzsche, não é desmedido dizer que a vida, ela
mesma, que, vencida, se reduz à sobrevivência, quando não suporta a doença nem
tolera a dor”. A mesma publicação ainda cita que, “no Brasil, a eutanásia é
considerada uma forma de homicídio. A lei não faz qualquer referência a ela,
mas a prática é julgada de acordo com o artigo 121 do Código Penal, que pune
crimes de homicídio com penas de 6 a 20 anos de reclusão. Há projetos
tramitando no Congresso para mudar tal situação. Um deles faz parte da própria
reforma do Código Penal. Parte do anteprojeto que está sendo elaborado para dar
lugar à legislação penal atual prevê a alteração de dispositivos do Código
Penal, legislando sobre a eutanásia em dois itens do artigo 121. No parágrafo
3º, buscando reduzir a pena de reclusão, caso o autor do crime tenha agido por
compaixão e a pedido da vítima. No 4º, tentando descriminalizar o ato de deixar
de manter a vida de alguém por meios artificiais, caso a morte tenha sido
atestada como iminente e inevitável, desde que solicitado pelo paciente ou
parentes próximos”.
¹ SINGER, Peter. Ética Prática. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
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