sábado, 17 de dezembro de 2011

Qual a diferença entre a vida de uma alface e a de uma vaca?


Escrevi diversos artigos que abordam essa área da Filosofia tão importante que é a Ética. Presumi, contudo, que não era necessário me aprofundar nessa questão da valoração da vida, mas devido à insistente comparação dos opositores aos movimentos em defesa dos animais entre a vida de uma alface e a vida de uma vaca, porca, cavalo, etc., senti-me obrigado, por mais massante que seja, a me voltar para esse tema. Considero cansativo por não acreditar que quem levanta uma questão dessas esteja sendo intelectualmente honesto, salvo algum caso de muita ingenuidade.

Na postagem "Dessacralizando a vida humana", defendi que não é racional o argumento religioso de que a vida do ser humano é diferente por ser sagrada. A partir disso, precisamos nos perguntar qual é o tipo de vida que deve ser levado em consideração por intermédio da compreensão dos seus interesses. Se, à primeira vista, parece lógico que uma alface tem vida e que somente por isso ela deve ser preservada e seria, do ponto de vista utilitarista, tão antiético comê-la quanto comer um boi, essa afirmação mostra-se absurda quando minimamente questionada. Os animais senscientes que evoluíram, ao longo da história desse planeta, em paralelo com a espécie humana, têm um sistema nervoso semelhante ao nosso, tendo casos, inclusive, de sistemas nervosos ainda mais desenvolvidos do que o da espécie humana. Partindo desse fato, vamos às evidências: o que faz com que seja um imperativo moral para todos os seres humanos o respeito mútuo, torna-se também "obrigatório", se formos intelecutualmente honestos e não manipuladores de argumentos, alastrá-lo para todas as espécies que possuem esses atributos. Isso foi explanado por mim em postagens anteriores, como em "Especismo", "Condições de igualdade", "A Ética Prática", "Singer e a moralidade", dentre outros, e por esse motivo esses temas específicos não serão aprofundados na presente postagem. Se temos interesses na preservação do nosso corpo, em sentir-mo-nos saciados, não sentirmos dor, etc., parece-nos evidente que esses animais que reagem a estímulos e têm consciência de si também possuam estes mesmos atributos. Quando uma galinha ouve um barulho de passos o qual ela está acostumada a ouvir antes de receber milho, evidencia-nos ter memória; quando um cão grita e foge quando leva uma pancada, evidencia-nos dor, e assim o é com membros da nossa própria espécie. Do ponto de vista racionalista, não temos condições de ter sequer noção do que uma outra pessoa é capaz de sentir, ou sequer que outra pessoa seja capaz de pensar. Descartes aprofundou essa abordagem e concluiu que a única verdade que ele considerou irrefutável era a própria existência e nada mais. E que essa existência era um ser que pensa, mas não pode ir além disso; não é capaz de entender o que se passa na alteridade. E é aí que entra a questão da experiência, ou da empiria. Da mesma maneira que só através de evidências podemos pressupor que uma outra pessoa sente dor, mesmo que seja impossível saber se a intensidade da dor que outra pessoa sente seja a mesma que nós sentimos, podemos fazê-lo com os animais observando seu comportamento. Não parece razoável que alguém realmente acredite que uma alface arrancada da terra possa sofrer tanto quanto um boi sofre numa tourada de Madrid.

Um dos grandes problemas que temos em relação à Ética é a "coisificação" de tudo que não é humano, e nisso incluem-se os animais. As razões para isso, ao longo da história são muitas, e as religiões monoteístas infelizmente ajudaram a difundir que o homem é o senhor da criação e que tudo o que está para além da espécie humana só serve para servir ao próprio homem. Esse ponto de vista tem sido trágico para o Meio Ambiente e essa conta acaba voltando para todos nós. É um engano imaginar que podemos ter vantagens num ponto de vista que faz com que a presença do homem no planeta seja como uma erva daninha para uma árvore que não consegue frutificar. Contudo, há um novo paradigma no ar: o Biocentrismo, que reflete um novo estágio na evolução humana do ponto de vista moral. A maioria das populações humanas de hoje não têm mais necessidade de causar dor e sofrimento a outras espécies para sobreviver, e a saciedade da fome de um dia não justifica o sacrifício de uma vida inteira nesse nosso contexto global atual. Ainda mais trágico se torna quando imaginamos que a morte é apenas uma pequena parte de toda uma vida de privações e agonia.

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