terça-feira, 12 de março de 2013

A obrigação dos ricos para com os pobres segundo Peter Singer



Alguns anos atrás, o Banco Mundial pediu a pesquisadores que ouvissem o que os pobres tinham a dizer. Eles conseguiram documentar a experiência de 60 mil homens e mulheres em 73 países. Repetidas vezes, em diferentes línguas e diferentes continentes, as pessoas disseram que a pobreza significava as diferentes coisas:
  • Você tem pouca comida durante o ano todo ou parte dele, muitas vezes fazendo uma refeição por dia,  às vezes tendo de escolher entre matar a fome do seu filho ou a sua própria, e às vezes não podendo fazer nenhum dos dois.
  • Você não consegue juntar dinheiro. Se um parente fica doente e é preciso dinheiro para levá-lo ao médico, ou se a colheita não vinga e você não tem nada para comer, é preciso pegar dinheiro emprestado com um agiota local - ele cobrará juros altos, a dívida continuará crescendo e talvez você nunca se livre dela.
  • Você não tem dinheiro para mandar seus filhos para o colégio, ou se eles entram no colégio, é preciso  tirá-los de lá novamente se a colheita for ruim.
  • Você vive em uma casa instável, feita de barro ou de palha, que necessita ser reconstruída a cada dois ou três anos, ou depois de cada intempérie.
  • Você não tem uma fonte próxima de água potável. É preciso carregar a água por um longo caminho e, mesmo assim, ela pode causar doenças, a menos que seja fervida.
Mas pobreza extrema não é apenas uma questão de necessidades materiais não satisfeitas. É muitas vezes acompanhada de um estado degradante de impotência. Mesmo em países democráticos e relativamente bem governados, os entrevistados do Banco Mundial descreveram uma série de situações em que tiveram de aceitar humilhações sem reclamar. Se alguém tira o pouco que eles têm e eles reclamam à polícia, é bem possível que esta não lhes dêem ouvidos. Assim como nada garante que a lei os protegerá contra estupro ou o assédio em geral. Há um sentimento difuso de vergonha e fracasso, porque eles não conseguem sustentar seus filhos. A pobreza os aprisiona, e os fazem perder a esperança de um dia sair de uma vida de trabalho do qual, no fim, nada resultará senão a mera sobrevivência. (1)

Segundo o princípio da igual consideração de interesses, defendida por Peter Singer, temos uma obrigação moral de ajudar alguém em necessidades, independentemente de este alguém ser o nosso vizinho ou uma criança desnutrida da Somália. Segundo dados atualizados da ONU, há hoje 1,4 bilhão de pessoas abaixo da linha da pobreza, ou seja, vivendo com menos de U$1,25 por dia. Até 2008, eram consideradas abaixo da linha da pobreza pessoas que ganhavam menos de U$1,00 por dia, porém os critérios que determinavam esse número tornaram-se em parte obsoletos e as contas precisaram ser refeitas.

Em países ricos, a relação com a pobreza é bem relativa. Nos Estados Unidos, segundo o Census Bureau, 97% dos considerados "pobres" tem televisão a cores. 75% dos "pobres" têm um carro na garagem, e a mesma proporção possui um aparelho de DVD. Não se está considerando aqui que uma pessoa pobre num país rico não enfrentem dificuldades reais, mas é factual que considerando-se os padrões de países do chamado Terceiro Mundo, eles seriam a elite financeira da população.

O total de 1,4 bilhão de pessoas que estão em estado de pobreza extrema hoje no mundo são pobres de acordo com um padrão absoluto, vinculado com as necessidades humanas mais básicas. É provável que passem fome ao menos uma parte do ano, e mesmo que consigam preencher o estômago, provavelmente serão mal nutridas, pela carência de nutrientes essenciais. Esse tipo de pobreza mata.

A universalização, para Singer, é fundamental para um agir ético coerente. Quando adota-se uma postura moral, deve-se considerar as questões do ponto de vista de todos que serão afetados. Isto significa que temos de nos colocar imaginariamente na posição deles, assim como na nossa, e de decidir o que fazer depois de dar tanto peso às suas preferências como que damos às nossas. Se fizéssemos isso relativamente às pessoas mais pobres que vivem nos países menos desenvolvidos, veríamos o quanto gastamos com supérfluos que podem muito bem serem revertidos em saciedade das necessidades básicas de outras pessoas, e isso pode fazer uma grande diferença às pessoas miseráveis no mundo. Se déssemos aos interesses desses pobres o mesmo peso que damos aos nossos, como deveríamos fazer, daríamos dinheiro a organizações que ajudam essas pessoas a superar sua pobreza e a tornarem-se auto-suficientes.

Peter Singer defende que é moralmente inaceitável um abastado gastar bilhões para ser mandado para fora da órbita terrestre pela NASA, ou gastar algumas centenas de milhões num iate poluidor com submarino e heliporto, enquanto, por outro lado, o UNICEF estima que centenas de milhares de crianças que ainda morrem de sarampo a cada ano poderiam ser salvas por uma vacina que custa menos de U$1,00 a dose. Em seus prospectos, a Nothing But Nets - organização concebida pela NBA - que tem projetos para proteger crianças da malária, menciona que "se você doar U$100 para a Nothing But Nets, estará salvando dez vidas", isto é, para cada dez dólares doados, em média, uma vida pode ser salva. Há diversas ONGs fazendo um bom trabalho, e existem ONGs paralelas que fiscalizam a eficiência de como o dinheiro é aplicado por elas, fornecendo detalhes e tornando a doação transparente. Infelizmente, a denúncia de certas ONGs fraudulentas atrapalham o trabalho de ONGs sérias, que fazem um trabalho efetivo no objetivo de eliminar a pobreza mundial.(1)


Seguindo esse raciocínio, é importante que possamos criar uma cultura de doação, e Singer sugere que isso pode ser feito baseando-se proporcionalmente em relação à renda anual de cada pessoa em condições de doar. Uma força-tarefa das Nações Unidas estimou quanto custaria eliminar a pobreza mundial a partir da realização de seus projetos. A força-tarefa se baseou em avaliações preliminares feitas em Bangladesh, Camboja, Gana, Tanzânia e Uganda, que indicaram que os objetivos de desenvolvimento poderiam ser alcançados por um custo per capita de U$70 a U$ 80 em 2006, aumentando à medida que os projetos são gradualmente ampliados, para U$120 a U$160 em 2015. A partir disso, a força-tarefa chegou a uma estimativa global de U$121 bilhões em 2006, subindo para U$189 blhões em 2015. Baseado nisso, Singer calcula quanto de cada pessoa rica precisaria doar para a eliminação da pobreza mundial, numa soma combinada. De acordo com o Branko Milanovic, do Banco Mundial, se definirmos "ricos" como aqueles que têm uma renda acima da renda média e Portugal (o país com a menor renda média no "clube dos ricos" da Europa Ocidental, América do Norte, Japão, Austrália e Nova Zelândia), então há 855 milhões de pessoas ricas no mundo. Se cada um destes ricos doasse apenas U$200, isso perfaria U$ 171 bilhões (aproximadamente a quantia que a força-tarefa das Nações Unidas acredita ser necessária a cada ano para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.(1)


Porém, Singer tem metas mais ousadas, baseada na divulgação da necessidade de uma cultura de doação - o próprio Singer contribui com 20% de todo o seu rendimento - que leva em conta não valores absolutos per capita para uma quantia global, mas o rendimento factual de cada um. Ou seja, aqueles chamados "super-ricos" teriam de doar muito mais do que aqueles que estão só um pouco acima da média do critério estabelecido.

(1) SINGER, Peter. Quanto custa salvar uma vida? Agindo agora para eliminar a pobreza mundial. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.

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