terça-feira, 5 de março de 2013

Seria o homem naturalmente místico?



É bem verdade que a Filosofia, bem como, mais tarde, a ciência secular, permitiram à humanidade alcançar níveis de entendimento a respeito do universo e tecnologias sem precedentes, antes inimagináveis. Ao ponto de desenvolvermos uma cultura mais complexa em relação aos outros animais e, até mesmo, ter a postura soberba de que o nosso desenvolvimento tecnológico nos faz diferentes dos outros animais; mito que foi propagado também pelas religiões de todo o globo em suas relações cíclicas onde o Antropocentrismo é o próprio fundador do Teocentrismo, já que todos deuses são reflexos de seu povo. Essa crença só foi por terra definitivamente no século XIX, devido aos trabalhos de Charles Darwin.

Ouvimos, desde crianças, que "o homem é um animal racional". Da maneira como se propaga esta afirmativa aristotélica, ela virou um verdadeiro mantra - que, aliás, é extremamente questionável nos nossos dias, em que conhecemos melhor outros animais e suas capacidades, bem como o próprio conceito de racionalidade também não é algo que se possa atribuir universalmente à nossa própria espécie. Hoje, graças ao secularismo, podemos buscar a compreensão das coisas e entendê-las, ao invés de pura e simplesmente acreditar sem questionamentos, baseando-nos em alguma mitologia escolhida, ainda que o conhecimento verificável - seja o filosófico, através do princípio da razão e da lógica, seja o científico, através de suas nuances empíricas e probabilísticas - seja fundalmentalmente revisionista por princípio e necessidade, já que só algo eternamente em construção e questionamento pode ter alguma credibilidade perante o juízo de seus próprios princípios, dando sentido àquilo que por ventura se conclui.

Contudo, o esforço que é necessário para atingirmos tal patamar é titânico. É um trabalho constante, que se relaciona com todas as áreas do conhecimento na busca de levar o pensamento científico para a sociedade como um todo, tendo como a maior ferramenta de todas a Educação. Todavia, o conhecimento racional continua limitado a ciclos acadêmicos e científicos muito restritos, que não é capaz de atingir a sociedade como um todo. E ainda há o agravante de que, na sociedade capitalista, o conhecimento técnico (ainda que com o status de universitário, em alguns casos) seja o mais viável para aquele que deseja se bem posicionar na comunidade. O sistema econômico ajuda a marginalizar o pensamento acadêmico e a ciência acabou se tornando refém do financiamento de grandes grupos econômicos que geram tecnologias robóticas, produzindo ciência como se ela fosse uma filha bastarda das Humanidades. Para Platão e os pitagóricos, a intuição, apesar de ser um conhecimento inferior, também pode ser considerado válido sob determinadas condições, como nas relações sensoriais e na matemática. E, através dessa intuição empírica, percebo que a condição natural do homem caminha em paralelo com esse conhecimento verificável. O homem comum do nosso tempo, mesmo com todas as conquistas do pensamento racional, goza de todas as benesses das ciências, mas em geral não as compreende e até mesmo se opõe aos seus princípios. Nesse aspecto, nosso mundo "ainda é rodeado de deuses e mitos", e temos os mesmos desafios daquele primeiro filósofo de Mileto que ousou pensar o mundo para além do mitológico - ainda que não completamente desvencilhado dele. Hoje, nossos termos são outros. Religiões fracassadas são consideradas "mitologias", restringindo o termo aos casos antigos, sendo o mesmo utilizado na tentativa de diferenciar as religiões que ainda possuem fiéis. A superstição é, ainda, predominante em todas as sociedades.

Ainda que não possamos afirmar de maneira apodídica que o homem é religioso por natureza, intuo que lutamos uma batalha perdida. Temos a capacidade de raciocinar, mas potência não torna-se necessariamente ato. Se é fato de que, em tese, todos os seres humanos saudáveis são capazes de raciocinar, isso não torna esses mesmos entes em seres pensantes de maneira automática. Talvez a nossa verdadeira realidade, aquela que acontece naturalmente, sem esforços, seja a do homem mítico, que desenvolveu a inteligência para além dos outros animais, se espantou com o que viu, voltou para a caverna e, dentro dela,  sua inteligência incipiente foi capaz de povoar seu mundo de magia, acalmando-lhe a alma. Talvez os seculares, humanistas e os filósofos (não me refiro nesse caso aos decoradores da História da Filosofia) sejam aqueles que continuam fazendo o papel do libertário que vai de encontro à luz - e que talvez, ao contrário do que sonham alguns, essa "luta" seja de encontro à nossa própria natureza. 

Um comentário:

  1. Há algo que eu gostaria de ter desenvolvido nesse artigo: a comparação das "falhas" na reprodução dos genes que permite a alteração entre as gerações e, conseqüentemente, a evolução. Quem sabe numa atualização posterior...

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