AS DESRAZÕES DE AZEVEDO, GARCIA E SHEHERAZADE
Ou porque uma opinião não é só uma opinião
Perdão,
mea culpa.
Milhares de compartilhamentos. Centenas
de elogios. Hipnotizados por uma retórica que parece reafirmar o óbvio, como
não concordar com aqueles que defendem o nosso sagrado direito de expressão? É
constitucional, afirmam. É constitucional, repetimos. E capitulamos juntos:
violentos são vocês, os que não admitem o contraditório. Está feita a inversão:
Afinal, que mal há em uma simples opinião? Os equivocados somos nós, os que
tentam cerceá-la.
Há como negar? Pausa dramática. Sim, há.
É
só uma opinião, caramba!
Quando alguém que diz “é só uma
opinião”, fico sempre com vontade de perguntar o que diabos isso significa. Não
o significado de opinião, claro, mas
do adverbio ali presente. Porque para mim não existe isso de “é só uma
opinião”. Uma opinião, no sentido
lato, é sempre uma tomada de posição em relação a algo. Ao emitir uma opinião,
dizemos aos outros como compreendemos e avaliamos determinado assunto.
Portanto, não é algo de somenos. As opiniões nos definem, delineiam a nossa
posição num espectro ideológico e ajuda-nos a definir com quem temos maior
afinidade ou não. Não há opiniões inocentes. No máximo, opiniões ingênuas.
Há quem diga “é só uma opinião” como
quem diz “não o leve a sério, é apenas um ponto de vista”. Tudo bem. De fato,
em sentido restrito agora, uma opinião não é outra coisa senão uma crença que
não passou pelo crivo do senso crítico. Porém, isso não a inocenta. Não a torna
menos perigosa ou menos influente. Quem opina sobre as relações de gênero e
afirma que as mulheres devem ser mantidas sob o comando dos homens, pode até
estar repisando certos clichês sem se dar conta disso, entretanto essa
“inconsciência” não torna ninguém menos sexista ou misógino.
Isso é óbvio? Não para nossa imprensa.
Para ela, e para tantas outras pessoas, uma opinião racista, por exemplo, não
torna ninguém racista. Aliás, para certos setores de nossa imprensa uma opinião
é só uma opinião. Não expressa uma determinada leitura de mundo, não faz parte
do embate ideológico travado constantemente nas redes sociais, não diz nada
sobre como compreendo determinados temas e me posiciono em relação a eles. Uma
opinião não é nada. Aliás, perdoem-me, ela é algo sim: uma opinião. Palavra
vazia, inocente, boba, higiênica porque limpa de toda contaminação ideológica.
Uma opinião? Ah, seus implicantes! Uma opinião é só uma opinião...
E
a liberdade, tio?
Fica como está. Uma das estratégias mais
sacanas dos formadores de opinião é nos acusar de tentar cercear a liberdade de
expressão do deputado pastor. Mentira! Ninguém está tentando calar o deputado.
O embate aqui é travado em outro nível. Assim como ele tem o direito de opinar
sobre o que quer que seja, nós temos o direito de considerá-lo inapto para o
cargo que atualmente exerce. E é em função de suas opiniões sim.
Propositadamente confundem as críticas que fazemos aos pronunciamentos do
pastor com cerceamento à liberdade. É um arenque vermelho: Ao invés de rebater
as críticas que são feitas ao pastor por assumir um cargo que exige um perfil
diferente daquele que ele tem apresentado, conduzem o debate para um plano que
não possui relação nenhuma com o que está sendo discutido. Ninguém anda a dizer
“Calemos o Feliciano!”. O grito de ordem é outro e não tem nada a ver com
impedir alguém de opinar sobre o que quer que seja.
Santa
Falácia, rogai por nós que recorremos a vós.
Alexandre Garcia rezou para a mesma santa
perante a qual se ajoelharam Reinaldo Azevedo e Rachel Sheherazade: A Santa
Falácia. O trio, de forma pra lá de suspeita, escamoteia diversas declarações
do Marco Feliciano e tenta conduzir nossa atenção apenas para suas declarações
sobre a união civil entre pessoas do mesmo sexo. Ora, isolada das demais
declarações, essa declaração em especial, por si só, não nos permite, de fato,
chamar o pastor de homofóbico (no sentido forte do termo). O problema, e todos
nós sabemos disso, é que essa não foi a única declaração dele sobre o assunto.
Portanto, os três incorrem numa falácia conhecida como "falácia da omissão
de provas". Ou seja, excluíram de seus argumentos dados importantes que
uma vez levados em consideração, mudariam a conclusão do argumento ou o
invalidariam.
Má fé? Maybe.
Alexandre ainda incorre em outra
falácia: a da falsa analogia. Estou cansado agora e não vou tentar desmontá-la,
mas o processo é simples: basta alguém mostrar que as comparações feitas por
ele entre as frases “A América Latina é maldita pela corrupção” e a frase “Os
africanos são amaldiçoados”, divergem de tal modo que a analogia torna-se
inviável. Não é difícil. Uma dica: podemos começar pela representação social do
continente africano, que tal?
Crime
de opinião?
Pois é! Isso não existe. Mas caro sinhô,
você nunca leu Austin? Nunca entrou em contato com a Análise do Discurso? Nunca
leu Foucault não, meu filho? É preciso alguém tascar um lâmpada na cara de um
homem homoeroticamente orientado para ser tachado de homofóbico e
heterossexista? Só são racistas aqueles que colocam uma placa no seu
estabelecimento comercial avisando que ali não entram negros? Gente, que ótimo!
Se os discursos são só discursos, então definitivamente vivemos no melhor dos
mundos.
Raquel,
a Sheherazade
Fia, presta atenção: O pastor não é só uma autoridade parlamentar,
é uma autoridade religiosa também. Ou seja, sua palavra tem o poder de
influenciar e modificar não somente as crenças, mas igualmente o comportamento
das pessoas. A senhoura até pode
defender o direito dele se pronunciar. Isso eu também defendo. Todos nós,
aliás. O que não dá para aceitar é ouvir alguém supostamente inteligente
amenizando as declarações do Feliciano porque, lá vamos nós mais uma vez, são
apenas opiniões pessoais. O direito que ele tem de falar o que der na telha,
temos nós de criticá-lo e de achar, sim senhoura,
que por suas opiniões ele não tem o perfil para presidir a Comissão de Direitos
Humanos e Minorias.
Não é perseguição não, fia. É exigência
de coerência. E não vale só para ele não! Vale para todos que estão lá, do
Blairo Maggi ao José Genoíno. A questão nunca foi religiosa, como vocês
insistem em colocar. Estivesse um Dom Helder Câmara lá, estaríamos
provavelmente contentes.
Sabe, nós respeitamos a liberdade de
crença. Tanto que você pode até continuar queimando seus incensos no altar de
Santa Falácia. Já nós... Bem, nós continuaremos a acender nossas velas no altar
de São Bom Senso. Sabe cumé, né? Essa é a nossa escolha, a nossa (assumida)
opinião.
O que é uma opinião quando se tem argumentos, não é, minha gente! Ótimo texto. Parabéns!!
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