Uma das piores violências culturais que uma pessoa pode sofrer é, muitas vezes, involuntária. Trata-se da doutrinação mística/religiosa por parte de familiares ante a uma criança que ainda não tem a distinção cognitiva de pensar por si só. Além de ser eticamente condenável, é um abuso previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente no Brasil, onde toda a criança e adolescente tem direito à liberdade de crença (e, conseqüentemente, de descrença) e de escolher, quando o juízo próprio permitir, o seu próprio caminho.
As crianças se tornam, em grande parte, adultos que não tiveram a opção de observar o mundo com seus próprios olhos. Muitas vezes, logo ao nascer, o bebê ocidental já tem um crucifixo no alto da parede de seu quarto, dando aos visitantes claros sinais de qual doutrina o pequeno irá tirar sua visão de mundo. Isso não é muito diferente nas outras culturas, cada qual com seu deus ou deuses, haja vista que a religião é um aspecto fortemente ligado à cultura de seu povo. Ainda que os pais sejam de determinada corrente religiosa, é inadmissível, do ponto de vista moral, considerar razoável que seus filhos tenham sua liberdade tolhida desde a mais tenra infância. Dentro da malha intelectiva e cultural dos pais, aliadas à própria experiência de vida, pode-se considerar que tal imoralidade seja algo involuntário - há uma forte crença, do qual eles também são vítimas num ciclo vicioso, de que estão elevando os filhos à salvação - porém ainda assim imoral. Uma involuntariedade que muitas vezes é capaz de tolher e amputar o livre pensamento dos adultos do futuro, que deveriam ter a iniciativa própria de escolher seu próprio sistema de crenças ou até mesmo o abandono de todas elas, mediante a alfabetização científico-filosófica.
Quando
as pessoas são alfabetizadas cientificamente e filosoficamente, a
crença torna-se uma opção. Isso não quer dizer que todos que tenham uma sólida formação científica e filosófica abandonam todos os sistemas de crenças, é bom frisar. Apenas que a figura de deus e dos dogmas tornam-se apenas contingentes. A necessidade absoluta de uma crença mística
qualquer só se torna fundamental quando não há outra saída razoável: o
mundo é incrível e no não-entendimento das coisas, busca-se explicações
mirabolantes no intuito de acalmar a alma. A religião cumpre esse papel
mantendo as pessoas na ignorância - que todos temos - com o diferencial
de que nesse caso a própria ignorância e a acomodação em explicações
místicas sem sentido trate-se de uma virtude. Sair do nível místico ao
investigativo pode significar um longo processo, mas é um amadurecimento
extremamente compensador.
Não está sendo proposto aqui um caminho infalível ou uma verdade incontestável a respeito do que se deva crer ou não-crer. O que está sendo exposto é a defesa e o respeito ao livre pensamento e crença de todas as crianças, fazendo-se valer o Estatuto supracitado. Por mais que a visão mágica do mundo seja prazerosa para alguém, este mesmo alguém não tem o direito de julgar que seria o mesmo para outro - isso é um atentado à individualidade. Para o outro, o entendimento das coisas como elas são de fato podem fazer muito mais sentido - e ser igualmente maravilhoso.
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