sábado, 16 de agosto de 2014

Crítica à "Crítica do Horror Puro", de Woody Allen

Num texto de Woody Allen, intitulado "Crítica do Horror Puro", o autor ataca o racionalismo e o empirismo numa só tacada e trata o conhecmento epistemológico como algo inatingível. O texto é superficial e raso, reproduzi-lo-ei abaixo em itálico para depois comentar mais a respeito de um ponto de vista filosófico clínico.



Ao formular qualquer filosofia, a primeira consideração sempre deve ser: O que nós podemos conhecer? Isto é o que nós podemos ter certeza de conhecer ou de saber que conhecemos, desde que seja algo conhecível, é claro. Ou será que já esquecemos e estamos apenas com vergonha de admitir?

Descartes roçou o problema quando escreveu: Minha mente nunca poderá conhecer o meu corpo, embora tenha ficado bastante íntima de minhas pernas. E, antes que me esqueça por "conhecível" não me refiro ao que pode ser conhecido pela percepção dos sentidos ou ao que pode ser captado pela mente, mas ao que se pode garantir ser conhecido por possuir características que chamamos de Conhecibilidade pelo conhecimento - embora todos esses conhecimentos possam ser ditos na frente de uma senhora.

Será que podemos realmente "conhecer" o universo?

Meu Deus, se às vezes é difícil sairmos de um engarrafamento! O problema, no fundo, é: há alguma coisa lá? E por que? E por que tem que fazer tanto barulho? Finalmente: não há dúvida de que uma característica da "realidade" é a de que lhe falta substância. Não quero dizer com isso que ela não tenha substância, mas apenas que lhe falta. (A realidade de que estou falando aqui é a mesma que hobbies descreveu, só que um pouquinho menor).


Logo, o dito cartesiano "Penso, logo existo" seria melhor expresso na forma de "Olhe, lá vai Edna com o saxofone!". Do que se deduz que, para conhecer uma substância ou idéia, devemos duvidar dela é, ao duvidar, chegamos aperceber as características que ela possui em seu estado finito, as quais são "por si mesmas" ou "de si mesmas" ou de qualquer outra coisa que não tem nada a ver. Se is to ficou claro, podemos deixar a epistemologia de lado provisoriamente, e mudar de assunto.



O texto de Woddy Allen inicia propondo uma análise epistemológica de possibilidade; outrossim questionando o que é que nós (referindo-se, provavelmente, à espécie humana) seríamos capazes de apreender no intelecto. Ele então especifica de que se trata de algo que nós tenhamos certeza de conhecer (lembra-nos o único conhecimento infalível para Descartes, o qual afirma que ele, que pensa e age naquele instante, existe - então a existência de si é um fato). A reflexão a seguir já começa a dar indícios de Intencionalidade Dirigida, quando ele, através da suposição, busca incutir no leitor a hipótese que a informação foi perdida e que simplesmente estamos com vergonha de admitir este fato.

O autor, finalmente, cita o próprio Descartes e esclarece que o que considera por “conhecível” – a priori, informação adquirirda e processada pelo intelecto – não se refere aos dados empíricos e nem mesmo racionalistas, já que ele também refuta quaisquer dados que possam ser captados pela mente. Para essa afirmação curiosa, aparentemente até mesmo sem sentido, ele direciona o leitor para uma terceira via utilizando-se da Intencionalidade Dirigida: cria um conceito que chama de “Conhecibilidade” pelo conhecimento, conceito este que poder-se-ia ser entendido por qualquer um. Ou eu não fui capaz de compreender o autor muito bem ou é extremamente vaga e superficial, permita-me afirmar, a argumentação de Woody Allen. Ele utiliza-se da Intencionalidade Dirigida sem, contudo, indicar um caminho sustentável. Esse é um dos cuidados que devemos ter na prática clínica – é claro que Allen não é o meu terapeuta e portanto não tem a minha Historicidade em mãos – mas uma Intencionalidade Dirigida precisa ser pensada e cuidadosamente inserida no processo terapêutico para não ser capaz de pôr tudo a perder, inclusive a confiança no filósofo clínico. Mais uma vez se faz necessário o estudo da Historicidade e compreensão da Estrutura do Pensamento para minimizar as hipóteses de erro e, quando necessário, poder utilizar-se das ferramentas disponíveis na Filosofia Clínica com critérios bem definidos.


O texto de Allen segue falando de coisas triviais, como por exemplo se somos ou não capazes de conhecer alguma coisa de fato – um dos problemas epistemológicos clássicos da Filosofia. Cita exemplos do cotidiano e, por fim, cita que à aparente realidade, na qual ele se refere bem utilizando as aspas, falta “substância”. Ou, ao menos, não temos acesso a essa substância, como pude entender pela explicação posterior. Deste ponto de vista, surge outro contorcionismo raso: ele minimiza o “Penso, logo existo” de Descartes relacionando-o com outra coisa qualquer. Com isso, através de Intencionalidade Dirigida, ele tira completamente o sentido de veracidade do que para Descartes seria a única coisa irrefutável capaz de ser conhecida.

Allen argumenta que, se para conhecer uma substância ou idéia, devemos duvidar dela, e ainda assim o conhecimento a respeito das mesmas não é confiável, devemos então abandonar completamente a Epistemologia. Na análise do autor, é perda de tempo pensarmos a respeito da coisa-em-si, já que esta é inatingível. O uso da Intencionalidade Dirigida por parte de Woody Allen, para mim, seria ineficaz, já que não é novidade que não temos acesso à substância ou à realidade absoluta das coisas, mas a investigação racional pode nos aproximar delas ou ao menos nos apresentar dados mais confiáveis do que se simplesmente “mudarmos de assunto”. Essa postura que ele apresenta, ao meu ver, é até perigosa pois trata de maneira jocosa tudo aquilo que nós temos por conhecimento epistemológico.

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