segunda-feira, 15 de junho de 2009

Filosofia e Felicidade

Raul Seixas falou, certa vez: “É pena eu não ser burro. Assim, não sofria tanto”. Partindo do princípio que o próprio Raul fosse um cara inteligente, para efeito da questão, será que realmente a sabedoria priva o homem da felicidade? Há sentido no que se fala por vezes que uma vida alienada é mais prazerosa de ser vivida?

Muito se diz a respeito. A opinião predominante sobre quando se refere à relação “conhecimento/sabedoria x felicidade” é de que o alienado tem mais hipóteses de viver uma vida tranqüila, em relação àquele buscador da verdade. A partir do momento em que não se conhece o problema, não se vive o mesmo. As pessoas costumam agir tão-somente de acordo com os resultados. É um utilitarismo às avessas, já que pouco se pensa a respeito do preço que se paga para atingi-los.

Todos nós somos alienados, mas em graus e assuntos diferentes. Falo da alienação como a ausência de conhecimento a respeito de algo, e não no sentido marxista. No mais alto grau, somos alienados a respeito de tudo, já que não é possível o conhecimento factual das coisas em si. Mas não é essa a abordagem necessária quando se questiona a alienação no sentido de uma pessoa que não questiona a si ou as coisas e acontecimentos ao redor de si. Essa é uma outra faceta.

Suponhamos uma pessoa que considere que sua vida ganhou sentido quando abençoada por um pastor corrupto de uma igreja hipotética, já que pastores corruptos não existem. Essa pessoa era entupida de dívidas, alcoólatra, sua mulher era prostituta e seu filho usava drogas. Esse homem – vamos chamá-lo Josué – ouviu falar que seu vizinho se regenerou quando “aceitou Jesus”, e decidiu, num momento de desespero, conhecer o Pastor “João”, que supostamente fizera maravilhas pelo seu vizinho. Pois bem, nosso amigo Josué vai com a cabeça completamente aberta para o culto, ele quer mudar de vida. No teatro, o pastor vende-lhe definitivamente a idéia do pecado e do demônio e arrebanha-o entre suas ovelhinhas. Josué passa a destinar uma parte de seus escassos rendimentos à Igreja, e a partir deste momento sua fé destina-o a parar de beber. Ele jura que foi agraciado pela Igreja e jamais conseguiria tal façanha sozinho. E isso não é tudo. Seu filho, que estava metido em drogas começa a freqüentar o culto e sua mulher parou de rodar a bolsa na rua. Concomitantemente, Seu Josué abdica de si e de suas individualidades para entregar sua alma a Deus. Ele não é mais Josué, é uma ovelhinha de Cristo. Está quase comendo capim, de tão devoto. Devido ao seu novo estilo de vida, não toma mais “mé” e tem mais tempo – arruma até um emprego fixo e diz que deve tudo graças ao Pastor João. Nesse nosso exemplo, podemos considerar que o Seu Josué foi bem sucedido, já que a vida era um caos pleno. Ele estava com o pé na cova e sua família não tinha rumo.

Contudo, afastar-se da realidade também tem seu sentido questionado. Para Siddharta – o Buda – “todo remédio é veneno”. E o preço desse remédio é alto. Os efeitos colaterais envolvem uma cultura inteira e ele agora nega a si para servir ao seu amigo imaginário (ainda que a hipótese teísta seja um fato, é pretensioso por parte da religião definir sua natureza). O que pode levar à “exaltação” também pode envenenar. O fenômeno atual a respeito do ceticismo religioso leva a dois extemos – acreditar “em tudo”, referindo-se à crença exagerada e sem um “filtro” de informações comparadas e imparciais, aumento e cultivo do misticismo e crendices em geral; ou um ceticismo que gera a crítica que produz o tal filtro que seleciona o que será aceito pelo entendimento como mais próximo do factual (já que quem vê muita coisa, tende a não crer em nada, assim como diz-se que surgiram os primeiros céticos – os mercadores viajantes, que conheciam diversas culturas). Na prática, temos visto elevar os números de estatísticas tanto em relação aos fundamentalistas quanto aos agnósticos e/ou ateus. No nosso exemplo, Seu Josué jura que o Pastor foi responsável por suas conquistas e pagará por isso o restante de sua vida, além de negar a humanidade que existe em si e até mesmo o que caracteriza sua individualidade. É óbvio que estou usando um exemplo, e por sê-lo, é bem específico; não significa que este seja o único exemplo de alienação no uso corrente da palavra.

Certa vez, li que “mais vale um Sócrates infeliz do que um porco feliz”. Mas, ainda que isso seja verdadeiro, por que diabos o Sócrates precisa ser infeliz? Não é o próprio conhecimento que liberta a alma? O hábito de buscar entender o que se passa ao redor pode nos livrar de situações complicadas. Não me refiro ao entendimento, mas à busca – ela é o que temos de real. Aprender a viver, aprender a morrer, encontrar subsídios que façam sentido para o aqui e agora também dão qualidade de vida. Viver o eterno presente é ser intenso. E vida com qualidade é mais importante do que o tempo pelo tempo. Para Aristóteles, dentre as possibilidades de felicidade, uma delas é através do conhecimento, como Filósofo. A Filosofia parte da necessidade da busca de um sentido, e divagar nesses caminhos também proporciona um gozo intelectual.


O “presente é o agora que passa”, segundo Santo Agostinho, e nesse sentimento de urgência não há desespero. Apenas a noção de que o prazer é importante e necessário. E quando percebermos a morte, entregar-nos-emos com a sensação de dever cumprido. Como no epicurismo, se por um acaso deixarmos de existir, significa que o sofrimento também será ausente. Nossa tarefa nesse mundo poderia pode ser assim definida: sejai feliz! – eis o verdadeiro sucesso.

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